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Crítica/"Pan-Cinema Permanente"
Filme cumpre desafio de desvendar poeta a partir de seu jogo de máscaras
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Em trabalhos anteriores,
como os vídeos "Carlos
Nader" (1998) e "Concepção" (2001), o cineasta e videomaker Carlos Nader discutia a partir de si próprio, em primeira pessoa, os temas da identidade e da relação entre ficção
e documento.
Em "Pan-Cinema Permanente" opera-se um salto arriscado: a retomada das mesmas
questões, só que a partir de um
outro personagem, que, ainda
por cima, é uma figura conhecida e controversa, o poeta, letrista e agitador cultural Waly
Salomão (1943-2003).
Desvendar Waly é um desafio não apenas pelo caráter
cambiante e multifacetado do
artista mas também e principalmente por sua recusa da
idéia de transparência, de "autenticidade". "A vida é sonho",
insiste o poeta em vários momentos, ecoando a frase de Calderón de la Barca. "Você pode
me olhar nos olhos e não ver
absolutamente nada."
Essa poética da opacidade, do
jogo de máscaras, da representação permanente, é a própria
matéria deste fascinante documentário.
O núcleo do filme são as imagens (e sobretudo sons, já que
Waly fala pelos cotovelos) do
próprio retratado, captadas por
Nader ao longo de 15 anos e entremeadas por depoimentos de
amigos e rico material de arquivo. Desenha-se assim o percurso de uma busca impossível, a
tentativa, frustrada de antemão, de chegar perto do coração selvagem do poeta.
Coerentes com essa perspectiva geral, as imagens o tempo
todo se denunciam enquanto
construções, seja no recurso ao
preto-e-branco (ou, mais propriamente, ao sépia), seja na luz
estourada, seja num esmaecimento dos contornos que as
aproxima da pintura e, no limite, da abstração.
A seqüência inicial é um
achado e uma pequena obra-prima que ajuda a iluminar a
trajetória do retratado e as intenções do retratista. Numa vitrine de loja de departamentos,
dezenas de televisores exibem
o mesmo programa. A câmera
se detém em um dos aparelhos,
que "muda de canal" e passa a
mostrar uma entrevista de
Waly num "talk show" realizado em Damasco, Síria. No mundo massificado, o poeta é aquele que desafina e discrepa, é o
ruído, a pedra no caminho. Ainda que tudo não passe, no fim
das contas, de um jogo de cena.
PAN-CINEMA PERMANENTE
Direção: Carlos Nader
Quando: estréia dia 14, no Rio e em SP
Classificação: livre
Avaliação: ótimo
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