São Paulo, segunda-feira, 10 de novembro de 2008

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Crítica/"Pan-Cinema Permanente"

Filme cumpre desafio de desvendar poeta a partir de seu jogo de máscaras

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Em trabalhos anteriores, como os vídeos "Carlos Nader" (1998) e "Concepção" (2001), o cineasta e videomaker Carlos Nader discutia a partir de si próprio, em primeira pessoa, os temas da identidade e da relação entre ficção e documento.
Em "Pan-Cinema Permanente" opera-se um salto arriscado: a retomada das mesmas questões, só que a partir de um outro personagem, que, ainda por cima, é uma figura conhecida e controversa, o poeta, letrista e agitador cultural Waly Salomão (1943-2003).
Desvendar Waly é um desafio não apenas pelo caráter cambiante e multifacetado do artista mas também e principalmente por sua recusa da idéia de transparência, de "autenticidade". "A vida é sonho", insiste o poeta em vários momentos, ecoando a frase de Calderón de la Barca. "Você pode me olhar nos olhos e não ver absolutamente nada."
Essa poética da opacidade, do jogo de máscaras, da representação permanente, é a própria matéria deste fascinante documentário.
O núcleo do filme são as imagens (e sobretudo sons, já que Waly fala pelos cotovelos) do próprio retratado, captadas por Nader ao longo de 15 anos e entremeadas por depoimentos de amigos e rico material de arquivo. Desenha-se assim o percurso de uma busca impossível, a tentativa, frustrada de antemão, de chegar perto do coração selvagem do poeta.
Coerentes com essa perspectiva geral, as imagens o tempo todo se denunciam enquanto construções, seja no recurso ao preto-e-branco (ou, mais propriamente, ao sépia), seja na luz estourada, seja num esmaecimento dos contornos que as aproxima da pintura e, no limite, da abstração.
A seqüência inicial é um achado e uma pequena obra-prima que ajuda a iluminar a trajetória do retratado e as intenções do retratista. Numa vitrine de loja de departamentos, dezenas de televisores exibem o mesmo programa. A câmera se detém em um dos aparelhos, que "muda de canal" e passa a mostrar uma entrevista de Waly num "talk show" realizado em Damasco, Síria. No mundo massificado, o poeta é aquele que desafina e discrepa, é o ruído, a pedra no caminho. Ainda que tudo não passe, no fim das contas, de um jogo de cena.

PAN-CINEMA PERMANENTE
Direção: Carlos Nader
Quando: estréia dia 14, no Rio e em SP
Classificação: livre
Avaliação: ótimo



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