São Paulo, segunda-feira, 10 de novembro de 2008

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Vencedor do Booker Prize minimiza peso do prêmio

Autor indiano Aravind Adiga diz que em seu país "ninguém liga para essas coisas'

Humor sombrio de "O Tigre Branco" não disfarça discurso político por trás do primeiro romance do escritor, que nega ter feito "tratado social"


EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

Ainda que sombrio, o humor de "O Tigre Branco", romance de estréia do indiano Aravind Adiga, que venceu o Booker Prize 2008, não disfarça a crítica social por trás da trama. Trata-se de reflexo direto do discurso politizado de seu autor, que diz à Folha que seu prêmio não tem "tanta importância".
"Veja bem, vivo na Índia, onde ninguém liga para coisas como prêmios; 60% da pessoas em Mumbai vivem nas ruas, tentando sobreviver. Há coisas mais importantes. E isso é bom para mim, significa que estou próximo da realidade."
Nascido de uma família abastada, em 1974, em Madras, Adiga estudou nas universidades Columbia e Oxford e é formado em literatura. Trabalhou para publicações como "Financial Times", "Independent" e "Sunday Times" e diz ter tirado de suas andanças em vilarejos indianos a voz de seu protagonista, Balram, anti-herói em que espelha a sociedade indiana diante do milagre econômico.
"Ele é um tipo de pessoa que você conhece se viaja pela Índia. Aqui, a maioria das pessoas vive em cidades pequenas, apenas uma pequena parte da população está nas cidades grandes. Pessoas como eu, que vivem nessas cidades grandes, não têm noção de como é a vida nessas cidadezinhas. Como jornalista, tive a chance de viajar e ver de perto como eram as condições das pessoas pobres, da classe operária. Ou dos desempregados que ficam vagando por bares, estações de trem etc. Balram é assim. Uma pessoa que não é representada na ficção na Índia, seja na literatura, no cinema etc. Eu queria captar essa voz, e Balram foi construído a partir de muitas pessoas com quem falei."
A realidade indiana que Adiga comenta não é de todo estranha ao Brasil. O autor lembra que alguns países da Ásia, como a Índia, tiveram um rápido crescimento econômico nos últimos dez anos, mas não para toda a sociedade. De modo que as divisões de classe aumentaram profundamente. "E isso é uma questão urgente, porque essa divisão criou tensões, até mesmo religiosas. Nesse sentido, "O Tigre Branco" trata de uma questão urgente para muitos desses países."

Best-seller na Índia
Segundo Adiga, "O Tigre Branco" foi best-seller na Índia, onde vendeu mais de 20 mil cópias, está entrando na segunda edição e deve chegar a cem mil exemplares em um ano. Apesar de seu retrato da Índia não ser dos mais elogiosos, o autor conta que, no país, ao menos na imprensa, a resposta da maioria foi positiva: cerca de 70% contra 30% de reações negativas.
"Sempre foi minha intenção ser controverso, eu não queria agradar a todos. As pessoas não estão acostumadas a ver os pobres descritos nos livros, embora eles sejam 60% do país. O tipo de pessoa que criticou era quem eu queria incomodar."
Apesar do discurso político, fundamentado em dados que sabe de cor, Adiga ressalta que seu romance não é um trabalho jornalístico ou tratado social.
"É fundamentalmente a história de um homem que vem de um vilarejo para uma cidade grande, acha que vai ficar rico, mas acaba vendo que será um serviçal", diz Adiga, adiantando a virada de seu personagem.
"Na Índia, se você é pobre e rouba, toda sua família cai em desgraça. É até ameaçada. Quis contar a história de um homem que está disposto a sacrificar sua família e fugir. Um indivíduo que quer ficar rico, não importam as conseqüências."


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