|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica
Bond volta ansioso em enredo repleto de traições
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
James Bond satisfaz no
espectador, mais do que
tudo, um desejo de estabilidade. Antes mesmo de entrar na sala sabemos que ele viverá aventuras colossais, conquistará as garotas, derrotará
os inimigos e, se for o caso, humilhará a CIA (Bond é a última
glória do império britânico).
É desejável, no entanto, que
essa estabilidade não seja excessiva. Algo tem que mudar.
Em "Cassino Royale", lança-se
um novo Bond (Daniel Craig).
O mais surpreendente não
será isso, e sim o fato de o filme
nos remeter à gênese do herói,
tal como concebida por Ian Fleming. Nós o encontramos antes
de receber a insígnia de 00,
quer dizer, o título de bambambã e a licença para matar -o
que não deixa de causar desconforto. Se desde os tempos
de Sean Connery temos estado
às voltas com um agente seguro
de si e com boas razões para sê-lo, desta vez veremos um 007
afoito, ansioso e, pior, falível.
Desce de sua condição de superespião para levar reprimendas
da chefe (Judi Dench). Enfim:
aos quase 50 anos de série, topamos com um iniciante.
Sua missão é enfrentar num
cassino de Montenegro o vilão
Le Chiffre, um banqueiro de
terroristas que perdeu uma fortuna na bolsa e precisa recuperá-la, sob pena de ser detonado por seus pouco afáveis clientes.
Bond deve lançar-se ao jogo de
pôquer com toda a sabedoria
que, se presume, tem.
O mais interessante no enredo é a sucessão de traições, que
faz lembrar mais um filme noir
do que um 007. No entanto,
"Cassino" falha no principal -a
criação de um vilão fascinante
para oferecer contraponto pertinente. Le Chiffre é um vilão
de segunda classe.
Mas a maior surpresa se deve
ao comportamento afetivo de
Bond. Não satisfeito em equivocar-se, julgar mal certas pessoas e confiar demais em outras, desta vez veremos Bond
cair de amores por Vesper (Eva
Green). Tudo bem que é a atriz
mais fascinante surgida nos últimos anos. Mas a fama de
Bond se fez de uma solene indiferença ao sexo oposto, acrescido de um sex-appeal imbatível, que o levou, anos a fio, a usar
parceiras e inimigas como objetos descartáveis a serviço de
seu objetivo maior (usualmente, salvar o mundo). O mistério
da mulher, sua natureza sedutora, e a maneira como Bond
sabe lidar com esse perigo (do
ponto de vista masculino, claro) sempre foram aspectos vitais da série. Mexer com eles é um risco. Talvez seja pela fraqueza, digamos assim, de ceder
ao amor que tanta gente anda
falando o pior de Daniel Craig.
CASSINO ROYALE
Direção: Martin Campbell
Produção: EUA/Reino Unido/Alemanha/República Tcheca, 2006
Com: Daniel Craig, Eva Green
Quando: em cartaz a partir de sexta
Texto Anterior: Frases Próximo Texto: "Spielberg me convenceu a viver 007" Índice
|