São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 2006

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Crítica

Bond volta ansioso em enredo repleto de traições

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

James Bond satisfaz no espectador, mais do que tudo, um desejo de estabilidade. Antes mesmo de entrar na sala sabemos que ele viverá aventuras colossais, conquistará as garotas, derrotará os inimigos e, se for o caso, humilhará a CIA (Bond é a última glória do império britânico).
É desejável, no entanto, que essa estabilidade não seja excessiva. Algo tem que mudar. Em "Cassino Royale", lança-se um novo Bond (Daniel Craig).
O mais surpreendente não será isso, e sim o fato de o filme nos remeter à gênese do herói, tal como concebida por Ian Fleming. Nós o encontramos antes de receber a insígnia de 00, quer dizer, o título de bambambã e a licença para matar -o que não deixa de causar desconforto. Se desde os tempos de Sean Connery temos estado às voltas com um agente seguro de si e com boas razões para sê-lo, desta vez veremos um 007 afoito, ansioso e, pior, falível.
Desce de sua condição de superespião para levar reprimendas da chefe (Judi Dench). Enfim: aos quase 50 anos de série, topamos com um iniciante. Sua missão é enfrentar num cassino de Montenegro o vilão Le Chiffre, um banqueiro de terroristas que perdeu uma fortuna na bolsa e precisa recuperá-la, sob pena de ser detonado por seus pouco afáveis clientes.
Bond deve lançar-se ao jogo de pôquer com toda a sabedoria que, se presume, tem.
O mais interessante no enredo é a sucessão de traições, que faz lembrar mais um filme noir do que um 007. No entanto, "Cassino" falha no principal -a criação de um vilão fascinante para oferecer contraponto pertinente. Le Chiffre é um vilão de segunda classe.
Mas a maior surpresa se deve ao comportamento afetivo de Bond. Não satisfeito em equivocar-se, julgar mal certas pessoas e confiar demais em outras, desta vez veremos Bond cair de amores por Vesper (Eva Green). Tudo bem que é a atriz mais fascinante surgida nos últimos anos. Mas a fama de Bond se fez de uma solene indiferença ao sexo oposto, acrescido de um sex-appeal imbatível, que o levou, anos a fio, a usar parceiras e inimigas como objetos descartáveis a serviço de seu objetivo maior (usualmente, salvar o mundo). O mistério da mulher, sua natureza sedutora, e a maneira como Bond sabe lidar com esse perigo (do ponto de vista masculino, claro) sempre foram aspectos vitais da série. Mexer com eles é um risco. Talvez seja pela fraqueza, digamos assim, de ceder ao amor que tanta gente anda falando o pior de Daniel Craig.


CASSINO ROYALE    
Direção:
Martin Campbell
Produção: EUA/Reino Unido/Alemanha/República Tcheca, 2006
Com: Daniel Craig, Eva Green
Quando: em cartaz a partir de sexta


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