São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2004

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MÔNICA BERGAMO

Greg Salibian/Folha Imagem
Aos 85 anos, o general Euclydes Bueno manda em tudo o que diz respeito ao mais simbólico monumento da cidade e decide até quem pode chegar perto dele: "Escorracei um funcionário da prefeitura", diz.

O dono do Obelisco

"Desculpe. Mas, sem a autorização do general, ninguém entra aqui." Na porta de grade do Obelisco, o mais simbólico monumento de São Paulo, o cabo Sergio Vilella não cede a nenhum apelo. Nem a prefeita Marta Suplicy entraria lá sem a autorização do militar. O cabo já barrou até a mulher e o neto do temido general, pois não sabia se ele gostaria que os dois, sozinhos, visitassem o lugar. E eis que surge o general nas escadarias. "Eu já estou de saco cheio", grita ele, caminhando, a passos miúdos, em direção ao fotógrafo que quer entrar no Obelisco. "E eu lá sei se você é parente do Bin Laden? Mando te prender!"

E quem é, afinal, o general? É Euclydes Bueno Filho, um militar reformado de 85 anos (foi da turma do ex-presidente João Baptista Figueiredo na Escola Militar do Realengo, nos anos 30), menos de 1,65 m, com ares enfezados e uma voz rouca com a qual manda e desmanda no cartão-postal da cidade.

Ele passou a ser uma espécie de dono do Obelisco em 2001, quando foi nomeado pela Sociedade Veteranos de 32 -°MMDC, responsável jurídica pelo monumento, para o cargo de "coordenador-geral do Obelisco". Passou então a controlar tudo. É ele quem negocia com as empresas que financiam a reforma de R$ 1,5 milhão que está sendo feita no lugar. É ele quem fiscaliza as obras. É ele quem decide quem chega perto ou é mantido a distância.

No fim do ano, por exemplo, apareceu por lá um funcionário da prefeitura. Queria tirar do monumento cartazes com os nomes dos patrocinadores da reforma. "Escorracei ele", conta o general. Uma emissora de TV quis autorização para levar ao Obelisco praticantes de rapel. "Ah, quer, é?", respondeu o general. "Que beleza!" E não autorizou. O general Bueno, que é engenheiro de armamentos, ajudou a criar a primeira metralhadora brasileira e, mais velho, colaborou com o SNI, não sossega.

No Réveillon, vândalos tentaram incendiar a tela de proteção que uma empresa de telefone colocou na obra. Ele estava lá, exigindo reforço na segurança. Já aconteceu de ele telefonar às 3 horas da manhã para o engenheiro João Carlos Beneton, responsável por parte das obras. "Mas o general tem um carisma tão grande que a gente acaba gostando dele", diz Beneton. Se alguém dá palpite sobre a obra sem ser chamado, Bueno reage: "Você manda aqui agora? Eu não sabia".

As obras no Obelisco começaram em 2002, quando cupins já haviam destruído a instalação elétrica, rachaduras e goteiras apareceram por toda a parte e a laje corria o risco de desabar. Num primeiro momento, foram patrocinadas pela Nestlé. Neste ano, a Claro, de telefone celular, resolveu bancar uma segunda parte das obras.

A polêmica foi grande quando a Claro envolveu o Obelisco com telas de proteção com seu logotipo, o que motivou a acusação de que o monumento estava sendo "privatizado". "Se fôssemos seguir a Bíblia, seria muito bom fazermos a obra sem que ninguém soubesse. Mas, no mundo dos negócios, isso não funciona. A empresa quer se beneficiar diante da opinião pública", diz Fábio Fernandes, presidente da F/Nazca, que detém a conta da empresa.

O Obelisco é o mais alto monumento da cidade. Começou a ser construído em 1947, em homenagem aos que combateram na Revolução Constitucionalista de 1932, foi concluído em 1960 e está cheio de simbolismos, principalmente referentes ao dia em que foi deflagrada a revolução, 9 de julho de 1932.

A área total do monumento é de 1.932 m2. A altura é de 72 metros -e 7, somado a 2, é igual a 9. São nove os degraus na entrada. Os 14 columbários, onde estão os restos mortais de cerca de 700 combatentes, representam as 14 paradas de Jesus na Via Sacra.

Tem também muitos mistérios. Num lugar do subsolo estão sacos com cinzas de mais de uma centena de combatentes, pois não há columbários suficientes para guardá-las. As visitas ao lugar, no entanto, estão vetadas pelo general.

AVENIDA PAULISTA

O guardião do tempo

É o "Seu Sola" quem cuida de um dos mais conhecidos pontos de referência da cidade: o relógio do Conjunto Nacional. O paulistano Valentim Sola, 76, é o responsável, desde 1975, pelo bom funcionamento do maior relógio da América Latina -um gigante com 75 metros de comprimento e 17 metros de altura. "O consumo de energia elétrica equivale ao de uma cidade com 3.000 habitantes", diz.
À frente de uma equipe de 15 pessoas que se revezam na vistoria feita todas as noites, seu Sola só tem um pavor: chuvas de granizo. "São nosso inimigo número um", afirma, fazendo uma careta. É que as pedrinhas de gelo, quando batem nos tubos de néon, podem quebrá-los. A última chuva de granizo deu um prejuízo a seu Sola. Ele conta que a palavra Itaú do relógio ficou como se tivesse "uma falha nos dentes". Saldo final: 20 tubos quebrados e uma baita dor de cabeça para seu Sola.
Daqui a seis meses, o relógio, que funciona há 45 anos, vai passar por uma repintura geral. "O que eu mais gosto é da credibilidade desse relógio. Ele está sempre marcando a hora e a temperatura certas. Não erra." As horas são ajustadas por satélite; a temperatura, a partir de um sensor instalado na alameda Santos.

VETERANO

Viver para contar

O general Bueno foi escolhido para o "posto", entre outros, por Geraldo Faria Marcondes, presidente da Sociedade Veteranos de 32. Aos 91 anos, os olhos de Marcondes ficam cheios de lágrimas quando ele relembra os dias em que lutou na Revolução de 32. "Saí de Bauru com 40 rapazes e me incorporei a um batalhão. O capitão me pôs como orientador de 12 rapazes." Ele lembra que deu "muitos tiros", no Vale do Paraíba, em direção a um avião vermelho do governo de Getúlio Vargas que dava rasante e convidava os paulistas a deporem as armas. Seus pais doaram jóias para o financiamento da luta.
Ele lembra de um cabo que declarou, brincando, que enterraria todos os companheiros. "Foi o primeiro a morrer." Outro companheiro morreu nos braços de Marcondes. O veterano se exalta ao contar que, numa palestra, alertou os estudantes: "Respeitem a história do Brasil. Porque se não vocês não vivem". Pára, e completa, em voz alta: "Vocês vegetam".

E-mail: bergamo@folhasp.com.br



Com Cleo Guimarães e Álvaro Leme



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