São Paulo, sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

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DEPOIMENTO

Na casa de Pahani tomei meu primeiro drinque persa

RAUL JUSTE LORES
EDITOR DE MERCADO

"Vamos ter churrasco brasileiro", disse Jafar Panahi ao me receber na porta do seu apartamento, em 2009.
Na verdade, era apenas mais uma variação do kebab, o (delicioso) prato onipresente em Teerã, mas Panahi real-mente tinha uma espécie de churrasqueira na sacada.
Sua família é tudo que os aiatolás querem esconder. Em vez de barbudos gritando "morte a Israel", sua bela esposa, com roupas ocidentais e sem véu, falava de política e arte, e os filhos já ensaiavam sua entrada no meio artístico (o filho já tinha dirigido um curta e me presentou com o DVD, a filha estudava interpretação).
Vários outros cineastas foram convidados para o churrasco. Os aiatolás proíbem até cerveja no Irã, mas a festa tinha bebidas alcoólicas (cena comum em Teerã, onde todo mundo tem dealers que contrabandeiam as garrafas). Só faltava caipirinha.
Panahi me ciceroneou pela decoração eclética do apartamento, com peças de artesanato, antiguidades e arte contemporânea de vários países, normalmente trazidos de festivais onde era convidado. Me disse que já tinha sido convidado a filmar em Hollywood, mas que temia fazer encomendas "étnicas". "Posso virar um cineasta ruim facilmente", temia.
Estava preparado para entrevistar Panahi, mas ele queria mesmo era receber um estrangeiro (em um país isolado há 30 anos, forasteiros são incomuns), falar de cinema, contar lembranças de suas viagens ao Brasil.
Ele me recebeu graças à gentil apresentação de Leon Cakoff, alma da Mostra de Cinema de São Paulo, brasileiro com maior milhagem cinematográfica que conheço.
O cineasta mostrou que sua vida doméstica era primado que se vê no longa "Persépolis", de Marjane Satrapi: para sobreviver, os iranianos se equilibram na vida dupla. Sua mulher e sua filha eram obrigadas a se cobrir com os véus para me levar até a rua.
Quando recusei um drinque, por não beber habitualmente, Panahi protestou. "Beba, meu amigo. Beber um golinho aqui é uma atitude política." Não pude recusar meu primeiro drinque persa.


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