São Paulo, Quinta-feira, 11 de Março de 1999
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BAD RELIGION
Punk para classe média

MARCELO NEGROMONTE
da Redação

O punk não morreu. E não são as bandas do gênero, como o Bad Religion, que tocou anteontem no Olympia, em São Paulo, que determinam isso. Enquanto existirem adolescentes -força motriz do punk- habitando a Terra, haverá público para um show punk.
Porque a essência do punk reside no "ao vivo" para estabelecer identidade e conquistar "respeito". Sem frescuras, música direta, quase sem interrupção, poucos acordes e muito barulho -de preferência com alguma uniformidade, como fez a banda de Los Angeles.
Em pouco mais de uma hora, a banda disparou quase 30 músicas para uma platéia que, se muito, tinha 20 anos em média.
O público não era punk, claro -os punks não existem mais, apenas três ou quatro moicanos de calças rasgadas eram apontados pelos demais como animais exóticos e em extinção. Era formado pelos arrogantes filhos da classe média, que quase lotaram o Olympia e queriam barulho e velocidade para extravasar os excessos inerentes à fase por que passam.
Um mera questão terapêutica, sem maiores significados políticos ou sociais. Não há mais espaço para contestação para a classe média. O torpor causado pelo barulho é a via de fuga da realidade; não há por que ir ao encontro dela.
Os bem-nascidos não suportaram o discurso da periferia dos rappers do Pavilhão 9, que abriram o show, convidando-os a deixar o palco -"fora, fora!", berravam.
Eis que entra o Bad Religion, com um som abafado, em que a voz de Greg Graffin sobressaía por demais, e a guitarra permanecia quase inaudível.
Absolutamente indiferente para os presentes. A adolescência não é uma época para sofisticações, conceitos elaborados, sutilezas. Quanto mais direto, incisivo e imperfeito, melhor.
O Bad Religion sabe disso desde 1980 e pouco mudou desde então -exatamente o que os fãs esperam dele. Os grandes hits (há inúmeros) estiveram todos lá: "21st Century (Digital Boy)", "I Want to Conquer the World", "No Control", "Do What You Want", "Generator", "Modern Man", "Stranger than Fiction".
Conquistar o mundo sem controle, fazendo o que quiser -nada mais adolescente, porque sonhador, do que essas músicas. Mesmo que haja uma "mensagem" política e raivosa por trás delas, o que não importa muito para garotos e garotas brasileiras.
O show quase nada diferiu da apresentação da banda na pista de atletismo do Ibirapuera, em 96. Houve algumas poucas músicas de "No Substance", último álbum do Bad Religion, como "The Biggest Killer in American History" e "Sowing the Seeds of Utopia", que fala sobre passividade em relação aos políticos, dedicada (involuntariamente?) ao Brasil por Graffin.
Por ora, o Bad Religion se faz competente na sua manutenção no cenário punk, como que pela criogenia, tanto que hoje é das poucas bandas punk "de raiz". O punk pode até vir a morrer, mas não será pela falta de público, e sim de bandas.


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