|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
BAD RELIGION
Punk para classe média
MARCELO NEGROMONTE
da Redação
O punk não morreu. E não
são as bandas do gênero, como
o Bad Religion, que tocou anteontem no Olympia, em São
Paulo, que determinam isso.
Enquanto existirem adolescentes -força motriz do punk-
habitando a Terra, haverá público para um show punk.
Porque a essência do punk reside no "ao vivo" para estabelecer identidade e conquistar
"respeito". Sem frescuras, música direta, quase sem interrupção, poucos acordes e muito
barulho -de preferência com
alguma uniformidade, como
fez a banda de Los Angeles.
Em pouco mais de uma hora,
a banda disparou quase 30 músicas para uma platéia que, se
muito, tinha 20 anos em média.
O público não era punk, claro
-os punks não existem mais,
apenas três ou quatro moicanos de calças rasgadas eram
apontados pelos demais como
animais exóticos e em extinção.
Era formado pelos arrogantes
filhos da classe média, que quase lotaram o Olympia e queriam barulho e velocidade para
extravasar os excessos inerentes à fase por que passam.
Um mera questão terapêutica, sem maiores significados
políticos ou sociais. Não há
mais espaço para contestação
para a classe média. O torpor
causado pelo barulho é a via de
fuga da realidade; não há por
que ir ao encontro dela.
Os bem-nascidos não suportaram o discurso da periferia
dos rappers do Pavilhão 9, que
abriram o show, convidando-os a deixar o palco -"fora, fora!", berravam.
Eis que entra o Bad Religion,
com um som abafado, em que a
voz de Greg Graffin sobressaía
por demais, e a guitarra permanecia quase inaudível.
Absolutamente indiferente
para os presentes. A adolescência não é uma época para sofisticações, conceitos elaborados,
sutilezas. Quanto mais direto,
incisivo e imperfeito, melhor.
O Bad Religion sabe disso
desde 1980 e pouco mudou desde então -exatamente o que
os fãs esperam dele. Os grandes
hits (há inúmeros) estiveram
todos lá: "21st Century (Digital
Boy)", "I Want to Conquer the
World", "No Control", "Do
What You Want", "Generator", "Modern Man", "Stranger
than Fiction".
Conquistar o mundo sem
controle, fazendo o que quiser
-nada mais adolescente, porque sonhador, do que essas
músicas. Mesmo que haja uma
"mensagem" política e raivosa
por trás delas, o que não importa muito para garotos e garotas brasileiras.
O show quase nada diferiu da
apresentação da banda na pista
de atletismo do Ibirapuera, em
96. Houve algumas poucas músicas de "No Substance", último álbum do Bad Religion, como "The Biggest Killer in American History" e "Sowing the
Seeds of Utopia", que fala sobre
passividade em relação aos políticos, dedicada (involuntariamente?) ao Brasil por Graffin.
Por ora, o Bad Religion se faz
competente na sua manutenção no cenário punk, como que
pela criogenia, tanto que hoje é
das poucas bandas punk "de
raiz". O punk pode até vir a
morrer, mas não será pela falta
de público, e sim de bandas.
Texto Anterior: Evento: Glauber Rocha ganha homenagem Próximo Texto: Pornô: Filme anuncia sexo em gravidade zero Índice
|