São Paulo, segunda-feira, 11 de março de 2002

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Cinema novo


Aquecimento da produção, incentivo público e curso de graduação tiram cinema catarinense da estaca zero


Divulgação
O camponês Francisco Thomaz dos Santos, apelidado em Santa Catarina de "Seo" Chico, em cena de documentário sobre ele


JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Assim como São Paulo já foi o "túmulo do samba", Santa Catarina tem sido, ao longo das décadas, uma espécie de "túmulo do cinema". Senão, vejamos.
Contam-se nos dedos de uma única mão os longas-metragens realizados até hoje no Estado.
Os cineastas catarinenses de expressão nacional, como Rogério Sganzerla, Sylvio Back e Ody Fraga, saíram jovens do Estado e realizaram sua carreira fora dele.
Para piorar, a rede exibidora é uma das mais pobres e monopolizadas do país. Em Florianópolis, por exemplo, só há três salas comerciais de cinema (a quarta é um cineclube), as três do mesmo dono e concentradas no mesmo shopping center.
Em suma: poucos filmes, mercado de trabalho acanhado, cultura cinematográfica precária.
A boa notícia é que essa situação está mudando de maneira rápida e decisiva. Se no restante do país fala-se muito em "retomada" do cinema, em Santa Catarina o termo mais adequado talvez seja "nascimento".
O primeiro dado significativo é que estão sendo feitos ao mesmo tempo em Florianópolis dois longas-metragens: o documentário "Vida e Obra de Seo Chico", de José Rafael Mamigonian, e o policial "Procuradas", de José Frazão e Zeca Pires (leia ao lado).
Para se ter uma idéia do que isso significa, basta lembrar que, desde 1980, o único longa rodado na cidade havia sido "Cruz e Souza", de Sylvio Back, em 1999.
Além dos dois longas em andamento, Santa Catarina vive um florescimento do curta-metragem. Há pelo menos três em realização atualmente.
No ano passado, os catarinenses conseguiram o feito inédito de emplacar dois curtas na competição do Festival de Gramado: "Ilha", de Zeca Pires, e "Roda dos Expostos", de Maria Emília Azevedo, que ganhou o Kikito de melhor fotografia.
Parte desse aquecimento da produção deve-se à lei estadual de incentivo à cultura, criada pela administração anterior e posta em prática pela atual gestão, de Esperidião Amin. A lei permite dedução de ICMS às empresas que investirem em cultura.
No final de 2001 veio outro decisivo empurrão estatal: mediante um concurso público, o governo destinou R$ 800 mil para a produção de um longa-metragem (o documentário "Seo Chico") e R$ 240 mil para a de três curtas (R$ 80 mil para cada um, a maior premiação do país), além de verbas para realização de vídeos, projetos de pesquisa e compra de equipamentos.
A par da produção propriamente dita, outras iniciativas têm contribuído para o surgimento de um núcleo cinematográfico em Santa Catarina.
Uma delas foi a criação, no ano de 1999, do curso de cinema da Unisul (Universidade do Sul de Santa Catarina), no campus de Palhoça (Grande Florianópolis). É o primeiro curso de graduação em cinema de toda a região Sul do país.
Outro evento importante é o Florianópolis Audiovisual Mercosul (FAM), que chega a sua sexta edição. Realizado anualmente, o FAM reúne profissionais de cinema e televisão do Brasil e de países vizinhos para debater as questões do setor. Exibe, paralelamente, uma mostra da produção recente desses países, com grande afluência de público.
Por fim, está previsto para os próximos meses o lançamento de uma revista de cinema, a "Batoque", feita por um grupo de cineastas e jornalistas.
Um fato que ao mesmo tempo reflete e reforça essa efervescência cinematográfica é a "imigração" para Florianópolis de cineastas e roteiristas de fora.
Alguns exemplos: o baiano José Frazão, que acaba de se mudar para a cidade para rodar o longa "Procuradas" e tocar outros projetos, o gaúcho Tabajara Ruas, que tem feito roteiros para os diretores Zeca Pires e Chico Faganello, e a filha pródiga Tânia Lamarca, que voltou a sua Florianópolis natal depois de morar durante décadas no Rio.
Claro que nem tudo é róseo nesse quadro. O concurso público para financiamento de longas e curtas, por exemplo, é marcado por um visível ranço provinciano. Por decisão do governador, só podem ser contempladas obras com "temática catarinense". A comunidade cinematográfica, mesmo sendo contra, teve de se submeter a essa castração de sua liberdade criativa.
Outro problema que salta aos olhos é a luta fratricida entre realizadores do próprio Estado.
Se, no cinema brasileiro em geral, são comuns os fuxicos, intrigas e inimizades, a tensão se intensifica num ambiente como o florianopolitano, em que todo mundo se conhece e as fontes de recursos são poucas.
Como os órgãos públicos do setor (Cinemateca Catarinense, Fundo Municipal de Cinema, MIS) dependem uns dos outros e são dirigidos por cineastas de turmas diferentes, às vezes o processo emperra. Mas quem disse que um parto tem que ser indolor?



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