São Paulo, quinta-feira, 11 de março de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Mostra não é a mesma de anos atrás

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

Festivais não são eternos, mas fazem o que podem para sobreviver. O Festival de Curitiba, quase vinte anos depois de sua primeira edição, luta para manter a aura de principal festival do teatro brasileiro. Depois de ter se descaracterizado nos últimos anos, nota-se na programação de 2010 um esforço de recuperação da importância que ele já teve no panorama teatral do país.
Quando nasceu, como um projeto arrojado de jovens empresários curitibanos, o festival pretendia reunir em sua mostra principal o que houvesse de mais importante na cena brasileira daquele ano, de preferência propiciando a alguns grupos e artistas de ponta que estreassem em Curitiba. Ser convidado para o festival em seus primeiros anos era já um reconhecimento, e vários artistas ganharam notoriedade nacional a partir dele.
A programação deste ano não chega a impressionar pelas estreias prometidas, mas não deixa de representar uma seleção criteriosa de parte do que de melhor veio sendo apresentado no eixo Rio-São Paulo, desde o ano passado. Seleções são sempre reflexos da visão dominante entre os curadores e, no caso deste festival, transparece uma aposta em espetáculos que alcançam o grande público, ainda que se permitam algumas exceções mais experimentais.
Parece coerente que a direção do festival venha optando por uma curadoria menos preocupada com o radicalmente novo ou provocante, como era a perspectiva nos primeiros anos, já que, como um empreendimento que visa o lucro e é administrado empresarialmente, o evento foi se tornando mais uma grande feira do que propriamente um espaço de experimentação estética.
É um mérito dos organizadores que o festival seja autossustentável financeiramente, sem depender de subsídio direto do poder público, mas essa situação traz alguns riscos. Um deles é subverter o espírito que presidia o projeto original, de torná-lo um fomentador da qualidade artística e de formação de público para o teatro.
Onde esse perigo aparece de forma mais clara é no chamado Fringe, mostra que é aberta a qualquer um que queira trazer seu espetáculo e esteja disposto a financiar seu próprio risco. Inspirado em mostra semelhante, abrigada pelo Festival de Edimburgo, na Escócia, o Fringe de Curitiba foi se tornando uma arapuca para jovens artistas com projetos experimentais, e um paraíso para empresários teatrais com espetáculos populares, dispostos a aproveitar o mercado aquecido durante o festival.
Este ano, parece que os organizadores se preocuparam em garantir um mínimo de condições a alguns espetáculos do Fringe sem vocação comercial, mas promissores artisticamente. Estabeleceu duas curadorias para selecionar uma programação especial em dois espaços da cidade, em que se têm melhores condições de produção para companhias iniciantes e foca-se no caráter experimental.
Se o festival já não é o mesmo, cabe especular se esse enfraquecimento reflete uma fase menos vigorosa do nosso teatro. Afinal, os artistas que estarão em Curitiba são inequívocas expressões do que há de melhor na criação teatral brasileira. Mudou o festival ou é o teatro que está em baixa, meio andando de lado?


Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Eagleton é destaque em seminário
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.