São Paulo, quarta, 11 de março de 1998

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CINEMA
Nem tudo é verdade nos filmes Carlsen

Divulgação
Cena de "Meu Diário Irlandês", de Jon Bang Carlsen


MARCELO REZENDE
Reportagem Local

O desejo de capturar a vida pequena, a emoção dos fatos mais banais. Essa é a ambição do cineasta dinamarquês Jon Bang Carlsen, que será homenageado no terceiro "É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários", que acontece neste mês em São Paulo e Rio de Janeiro.
Carlsen terá uma retrospectiva na mostra. Serão exibidos oito de seus trabalhos, que sempre se caracterizam pela mistura -por vezes bem-humorada- entre ficção e fato.
Em seus filmes as pessoas comuns se tornam atores, interpretando as suas mais rasas vontades, ao mesmo tempo em que somos informados sobre a história de um lugar, de uma pessoa ou de uma moradia.
Carlsen passou a ser notado pelo público brasileiro na edição do ano passado do festival, após a exibição de "Meu Diário Irlandês" (1996). Agora serão mostrados "Um Pescador de Hanstholm" (1997), "A Vida Será Vivida" (1993), "Hotel das Estrelas" (1981), "Antes dos Hóspedes Chegarem" (1986), "Já Corri Atrás da Verdade" (1988), "É Agora ou Nunca" (1996) e "Um Rico Homem" (1978).
Além da retrospectiva, Carlsen fala no próximo dia 2 de abril no auditório da Folha. No intervalo de um dia de filmagem na África do Sul, o diretor falou em entrevista por telefone sobre seu mais novo projeto e sua tentativa de abrigar a vida comum. Leia abaixo trechos da entrevista dada à Folha.

Folha - O que o sr. está agora filmando na África do Sul?
Jon Bang Carlsen -
Eu estou realizando um documentário sobre a habilidade que os homens têm em mudar.
De que maneira são formados segundo idéias fundamentalistas para depois terem que assimilar novas situações. E a África do Sul é um lugar especial para esse tipo de história.
Folha - E o sr. pretende a mesma mistura de imagens ficcionais e testemunhos reais que marcam alguns de seus principais trabalhos?
Carlsen -
Sim. Mas não se trata exatamente de uma mistura... é na verdade a maneira que eu trabalho naturalmente. Quando estou trabalhando tomo algumas impressões da vida, do cotidiano mais banal, e ao mesmo tempo construo algumas impressões que eu pessoalmente tenho sobre o mesmo tema.
No final trata-se de um documentário, mas para mim documentários são uma forma de ficção, pelo menos em algum sentido. Alguns filmes ficcionais que tenho visto parecem ser mais documentais que meus próprios trabalhos.
Folha - O sr. acredita que para o público a distinção entre documentário e ficção é também tão pouco clara?
Carlsen -
Não sei se essa é uma questão que realmente exista. Talvez as categorias sirvam bem mais aos organizadores de festivais, porque estabelecer se um filme é uma coisas ou outra depende sempre de critérios subjetivos.
Documentários e ficção são basicamente o resultado de um mesmo processo: uma mente que tenta entender o mundo de uma maneira artística. A maneira que escolhem para dar conta do trabalho é mais uma questão técnica do que qualquer outra.
Folha - Seus documentários parecem estar voltados mais ao presente, o momento, do que a uma busca arqueológica do passado.
Carlsen -
Eu sempre fui muito fascinado com a vida do dia-a-dia. Em todos os meus filmes você não encontrará heróis, pessoas famosas. Você verá apenas pessoas comuns, que vivem nas sombras.
Isso porque são nessas pessoas que eu acho que posso encontrar a vida. Homens e mulheres comuns em meio ao que existe de mais comum.
Eu sou muito mais inspirado nos rituais da vida comum, que nos fazem encontrar uma função na própria existência. Tento mostrá-los segundo um ponto de vista artístico, provocativo.
Sobre o fato de ficcionalizar essas situações... mesmo os filmes de ação hollywoodianos, os de explosões e alta velocidade, nos mostram algo sobre as pessoas.
Penso que a representação facilita o entendimento do homem com a câmera. Quando interpretam, cantam ou recitam diante da câmera estão mais livres e essa liberdade é essencial para que se possa entendê-las. Eu não estou interessado em opiniões.
Folha - E quais as dificuldades de ser um cineasta interessado nessa existência do dia-a-dia?
Carlsen -
Não é muito comercial, não esse apelo, porque o público adora heróis e pessoas conhecidas. É mais fácil conseguir dinheiro quando se trata de heróis. Mas é bom trabalhar na Escandinávia, onde temos mecanismos para a manutenção desse tipo de produção.
Algumas vezes filmar não parece ser algo economicamente viável, mas a Escandinávia (e também o Canadá) está interessada nesse tipo de trabalho. Se eu vivesse em Hollywood provavelmente faria bem menos filmes.

O quê: É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários (terceira edição)
Quando: 27 de março 2 de abril (São Paulo) e 30 de março a 5 de abril (São Paulo)
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (Rio) e Centro Cultural São Paulo, Cinesesc, Museu da Imagem e do Som



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