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São Paulo, sexta-feira, 11 de abril de 2003

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CINEMA

"Meu Tempo É Hoje" flagra o cotidiano do sambista com enfoque inédito

Paulinho deixa saudade de lado em documentário

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Meu tempo é hoje. Eu não vivo no passado. O passado vive em mim." Poderiam ser meras frases de efeito, se o autor não fosse Paulinho da Viola, 60, e se o documentário de longa-metragem "Meu Tempo É Hoje" não usasse sua extensão de 1h23min quase toda para justificá-las.
Dirigido por Izabel Jaguaribe, 34, "Meu Tempo É Hoje" deve entrar no circuito comercial em junho ou julho, mas faz sua pré-estréia paulistana em sessões amanhã e domingo, no festival É Tudo Verdade.
Paulinho promete que estará presente na sessão de amanhã -morrendo de vergonha. "É estanho, você se vendo na tela e todo mundo vendo junto, já pensou?", amedronta-se o artista, falando do ineditismo de um documentário centrado nele.
Não é para menos. Entre quase 30 canções e entrevistas roteirizadas pelo jornalista Zuenir Ventura, fluem pela tela imagens íntimas da casa de Paulinho, de seus sete filhos, de seus pais, de contradança e rusgas domésticas com sua mulher, Lila.
"Tem gente que adora mostrar sua casa, sua vida, o que come. Isso é o voyeurismo do nosso tempo, mesmo", Paulinho reconhece.
Mas ele não quer que seja esse o caso, e tenta se diferenciar do universo "Caras". "Respeito muito a vida privada dos outros. Não tenho interesse em saber, não gosto de ler biografia. O documentário tenta mostrar às pessoas um lado desconhecido."
Parece contraditório. Mas é por conta disso que Paulinho e Lila assistem resignados à decisão de Izabel Jaguaribe de manter cenas desfavoráveis a eles.
É o caso da passagem mais divertida do filme, quando os dois vão a um depósito de restauração de carros antigos mantido pelo artista -que também restaura relógios, objetos de marcenaria, tacos de bilhar, quartos de hotel em que fica hospedado.
"Eu morro de vergonha, a gente havia combinado que isso não ia aparecer. Implorei à Izabel, mas ela deixou", conforma-se Lila. "Vou morrer de vergonha", sintetiza Paulinho.
Izabel conta sua versão. "Eles ficam com certo pudor. Paulinho perguntou se eu achava mesmo importante aquela cena, falei que era", diz, fazendo dos carros antigos desmontados um dos muitos exemplos da relação peculiar do sambista com a noção de tempo.

Pagode com Pagodinho
A exposição da convivência entre gerações no ambiente de Paulinho é outro ponto em que a diretora ressalta a insistência do artista em dizer que saudade é, para ele, sentimento desconhecido ("A saudade anula a história e a vida", ele chega a depor no filme).
Quando canta e toca "Para Fugir da Saudade" para o filme, Paulinho se faz acompanhar pelo violão do pai César Farias e pelo coro de três das cinco filhas. A instrumental "Rosinha, Essa Menina", é levada em três violões -o seu, o de seu pai e o de seu filho João, que conta que foi buscar no avô o jeito de tocar.
Uma constelação de artistas de várias idades passam em desfile. Cantam com ele as mais jovens Marisa Monte, Marina Lima e Amélia Rabello; o contemporâneo Elton Medeiros; a Velha Guarda da Portela, em peso.
Um dos pontos-chave é a visita de domingo que Paulinho faz a Zeca Pagodinho, em Xerém. Especialmente produzido, o encontro é quase um "quem é quem" do samba carioca, reunindo sambistas de glória (Nelson Sargento, Walter Alfaiate), estudiosos do samba (Cristina Buarque, Hermínio Bello de Carvalho, Sérgio Cabral), a nata da Portela (Jair do Cavaquinho, Surica), a nova geração (Teresa Cristina)...
Izabel Jaguaribe diz que o trabalho da equipe foi só azeitar a agenda de tanta gente num só domingo -os pagodes de Xerém são tradição, embora nem sempre com tanta estrela. "Eu tinha vontade de ter no filme um show, uma troca entre ele e vários artistas. A forma que encontrei foi aquela roda de samba."
A comunidade canta, divertida, um pagode à Zeca Pagodinho, do "conflito" por causa do "cabrito". Mas é "Foi um Rio que Passou em Minha Vida" (70) que se faz o uníssono de vozes e de gerações, razão de Zeca Pagodinho brincar, irônico: "Só no cinema...".
No pagode que superpõe camadas de tempo e ideologia, voltam à lembrança do espectador os versos de Wilson Batista que Paulinho cantara bem no início do filme: "Meu mundo é hoje/ não existe amanhã pra mim".
Adiante Paulinho da Viola confessará que foi neles que se inspirou para acreditar nas frases que iniciaram este texto.


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