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CINEMA
"Meu Tempo É Hoje" flagra o cotidiano do sambista com enfoque inédito
Paulinho deixa saudade de lado em documentário
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
"Meu tempo é hoje. Eu não vivo
no passado. O passado vive em
mim." Poderiam ser meras frases
de efeito, se o autor não fosse Paulinho da Viola, 60, e se o documentário de longa-metragem
"Meu Tempo É Hoje" não usasse
sua extensão de 1h23min quase
toda para justificá-las.
Dirigido por Izabel Jaguaribe,
34, "Meu Tempo É Hoje" deve entrar no circuito comercial em junho ou julho, mas faz sua pré-estréia paulistana em sessões amanhã e domingo, no festival É Tudo
Verdade.
Paulinho promete que estará
presente na sessão de amanhã
-morrendo de vergonha. "É estanho, você se vendo na tela e todo mundo vendo junto, já pensou?", amedronta-se o artista, falando do ineditismo de um documentário centrado nele.
Não é para menos. Entre quase
30 canções e entrevistas roteirizadas pelo jornalista Zuenir Ventura, fluem pela tela imagens íntimas da casa de Paulinho, de seus
sete filhos, de seus pais, de contradança e rusgas domésticas com
sua mulher, Lila.
"Tem gente que adora mostrar
sua casa, sua vida, o que come. Isso é o voyeurismo do nosso tempo, mesmo", Paulinho reconhece.
Mas ele não quer que seja esse o
caso, e tenta se diferenciar do universo "Caras". "Respeito muito a
vida privada dos outros. Não tenho interesse em saber, não gosto
de ler biografia. O documentário
tenta mostrar às pessoas um lado
desconhecido."
Parece contraditório. Mas é por
conta disso que Paulinho e Lila assistem resignados à decisão de
Izabel Jaguaribe de manter cenas
desfavoráveis a eles.
É o caso da passagem mais divertida do filme, quando os dois
vão a um depósito de restauração
de carros antigos mantido pelo
artista -que também restaura
relógios, objetos de marcenaria,
tacos de bilhar, quartos de hotel
em que fica hospedado.
"Eu morro de vergonha, a gente
havia combinado que isso não ia
aparecer. Implorei à Izabel, mas
ela deixou", conforma-se Lila.
"Vou morrer de vergonha", sintetiza Paulinho.
Izabel conta sua versão. "Eles ficam com certo pudor. Paulinho
perguntou se eu achava mesmo
importante aquela cena, falei que
era", diz, fazendo dos carros antigos desmontados um dos muitos
exemplos da relação peculiar do
sambista com a noção de tempo.
Pagode com Pagodinho
A exposição da convivência entre gerações no ambiente de Paulinho é outro ponto em que a diretora ressalta a insistência do artista em dizer que saudade é, para
ele, sentimento desconhecido ("A
saudade anula a história e a vida",
ele chega a depor no filme).
Quando canta e toca "Para Fugir da Saudade" para o filme, Paulinho se faz acompanhar pelo violão do pai César Farias e pelo coro
de três das cinco filhas. A instrumental "Rosinha, Essa Menina", é
levada em três violões -o seu, o
de seu pai e o de seu filho João,
que conta que foi buscar no avô o
jeito de tocar.
Uma constelação de artistas de
várias idades passam em desfile.
Cantam com ele as mais jovens
Marisa Monte, Marina Lima e
Amélia Rabello; o contemporâneo Elton Medeiros; a Velha
Guarda da Portela, em peso.
Um dos pontos-chave é a visita
de domingo que Paulinho faz a
Zeca Pagodinho, em Xerém. Especialmente produzido, o encontro é quase um "quem é quem" do
samba carioca, reunindo sambistas de glória (Nelson Sargento,
Walter Alfaiate), estudiosos do
samba (Cristina Buarque, Hermínio Bello de Carvalho, Sérgio Cabral), a nata da Portela (Jair do
Cavaquinho, Surica), a nova geração (Teresa Cristina)...
Izabel Jaguaribe diz que o trabalho da equipe foi só azeitar a agenda de tanta gente num só domingo -os pagodes de Xerém são
tradição, embora nem sempre
com tanta estrela. "Eu tinha vontade de ter no filme um show,
uma troca entre ele e vários artistas. A forma que encontrei foi
aquela roda de samba."
A comunidade canta, divertida,
um pagode à Zeca Pagodinho, do
"conflito" por causa do "cabrito".
Mas é "Foi um Rio que Passou em
Minha Vida" (70) que se faz o
uníssono de vozes e de gerações,
razão de Zeca Pagodinho brincar,
irônico: "Só no cinema...".
No pagode que superpõe camadas de tempo e ideologia, voltam
à lembrança do espectador os versos de Wilson Batista que Paulinho cantara bem no início do filme: "Meu mundo é hoje/ não
existe amanhã pra mim".
Adiante Paulinho da Viola confessará que foi neles que se inspirou para acreditar nas frases que
iniciaram este texto.
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