São Paulo, domingo, 11 de abril de 2004

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CRÍTICA

Novelas teens parecem longe da juventude

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Parece que veio de fábrica. São os mesmos draminhas psicológicos, os mesmos falsos dilemas morais, o mesmo proselitismo pedagógico. A Bandeirantes estreou recentemente uma novela "adolescente", a produção portuguesa "Morangos com Açúcar", em tudo semelhante a "Malhação".
Talvez a versão d'além-mar seja um tantinho mais pobre de produção e algo mais cafona em termos estéticos, mas as diferenças param por aí. Os adolescentes em questão estudam todos na mesma escola, no equivalente português ao ensino médio no Brasil, preparam-se para o vestibular, apaixonam-se uns pelos outros, não necessariamente uns pelos outros mesmos, despertam para a vida sexual, envolvem-se com comportamentos de risco etc. etc. Os adultos ou são desajeitados e ridículos ou hipócritas ou de uma caretice impossível.
Cá, no Rio de "Malhação", ou lá, no Estoril de "Morangos com Açúcar", parece que a vida dos adolescentes é de um tédio ímpar. Tudo é muito programadinho, até mesmo aquilo que deveria estar no terreno do mais imprevisível: a irrupção da individualidade, o conflito com a autoridade, a afirmação de uma sensibilidade outra.
Ambos querem fazer crer que a adolescência da classe média hoje em dia seja mesmo um fenômeno muito previsível, dada a força das imagens que se cristalizaram em torno daquilo que se imagina que as pessoas vivam entre os 13 e os 20 anos e que foram em parte criadas e alimentadas pelos meios de comunicação. A sensação de previsibilidade aumenta quando se pensa nos seriados americanos que têm adolescentes como protagonistas.
Via de regra, o que acontece com esses jovens ficcionais é que eles e elas cometem lá seus excessinhos, se dão mal, aprendem as lições e voltam ao bom caminho na velocidade de um capítulo ou episódio. A culpa é a palavra-chave da ficção para adolescentes. Os motivos variam, mas o ciclo de excesso-punição-expiação se mantém constante. Nos seriados americanos, o negócio é tão sério que eles sofrem com a mesma solenidade dos adultos. No mundo latino, as coisas são um pouco mais leves, mas o propósito psicopedagógico é o mesmo.
Tanto consenso levanta uma certa desconfiança. Afinal, a adolescência das novelinhas e seriados representa alguma forma de adolescência de fato vivida pelos garotos e garotas ou é o único formato compreendido e admitido pelos adultos?
A ficção para adolescentes da TV quase nunca é capaz de assumir o doloroso e confuso ponto de vista dessa fase, em que impera uma espécie de caos interno e uma incompreensão gigantesca dos mecanismos do mundo, mas ao mesmo tempo uma enorme liberdade de experimentação existencial. A exceção notável e de vida curtíssima foi "Minha Vida de Cão", série estrelada por Claire Danes ainda bem menina nos anos 90.

@ : biabramo.tv@uol.com.br


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