|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
João Salles afirma que perdeu a fé para filmar
DA REPORTAGEM LOCAL
O documentarista João Moreira Salles abriu na noite de segunda a edição em Campinas
do Festival Internacional de
Documentários - É Tudo Verdade. Não. João Moreira Salles
não é mais documentarista.
E não é certo que volte a sê-lo. Foi o que ele contou à platéia
do festival, após a exibição de
seu último filme, "Santiago".
""Santiago" é uma síntese do
que pensei sobre documentário
nos últimos 20 anos. Quando
você faz uma síntese, esgota um
caminho. Enquanto outro não
te ocorre, não pode percorrer o
mesmo. Perdi um pouco a fé na
idéia de filmar alguma coisa."
Realizado num intervalo
temporal (as filmagens foram
em 1993; a montagem, no ano
passado), "Santiago" é uma reflexão sobre "a morte, a passagem do tempo e como retê-lo".
O personagem-título foi
mordomo da família Salles por
30 anos. Aposentado, aos 80,
foi procurado pelo cineasta para ser tema de filme. Era um
homem deslocado de seu tempo. "Ele gostaria de ter vivido
na Florença do Renascimento.
Mas nasceu na ponta da América do Sul [Argentina], no início
do século 20", observou Salles.
É de um mundo e de um tempo inventados que o personagem tentou falar ao documentarista, que "não soube ouvi-lo". Quando o filmou, Salles
"achava que os documentários
eram feitos de certezas".
Seguro de conhecer seu personagem, dirigiu-o à exaustão,
impondo falas e um modo de
dizê-las. O material resultante
não se tornou um filme, porque, conforme a autocrítica que
Salles faz hoje, sofria do excesso de "controle", que baniu a
possibilidade do "acaso", e também de "certo império do formalismo -tinha de ser bonito".
O diretor decidiu voltar a
"Santiago" no ano passado,
num momento de "crise profissional", portanto, de dúvida.
Olhou para os antigos negativos desta vez com a idéia de que
"os documentários que têm
muitas certezas são chatos,
prepotentes ou, na melhor das
hipóteses, um bom panfleto".
"Santiago" se tornou então
um filme "não sobre Santiago,
mas sobre minha relação com
ele", diz o diretor. Como personagem, Salles teria de adotar a
primeira pessoa em seu filme.
Ele resistiu à idéia, até ser
vencido por um argumento que
o montador Eduardo Escorel
emprestou do documentarista
francês Chris Marker: "Contrariamente ao que dizem, usar a
primeira pessoa em filmes tende a ser um sinal de humildade.
Tudo que tenho a oferecer sou
eu mesmo".
(SA)
Texto Anterior: Festival age como um indicador de tendências e diretores mundiais Próximo Texto: "A Grande Ilusão" chega direto em DVD Índice
|