São Paulo, quarta-feira, 11 de abril de 2007

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João Salles afirma que perdeu a fé para filmar

DA REPORTAGEM LOCAL

O documentarista João Moreira Salles abriu na noite de segunda a edição em Campinas do Festival Internacional de Documentários - É Tudo Verdade. Não. João Moreira Salles não é mais documentarista.
E não é certo que volte a sê-lo. Foi o que ele contou à platéia do festival, após a exibição de seu último filme, "Santiago".
""Santiago" é uma síntese do que pensei sobre documentário nos últimos 20 anos. Quando você faz uma síntese, esgota um caminho. Enquanto outro não te ocorre, não pode percorrer o mesmo. Perdi um pouco a fé na idéia de filmar alguma coisa."
Realizado num intervalo temporal (as filmagens foram em 1993; a montagem, no ano passado), "Santiago" é uma reflexão sobre "a morte, a passagem do tempo e como retê-lo".
O personagem-título foi mordomo da família Salles por 30 anos. Aposentado, aos 80, foi procurado pelo cineasta para ser tema de filme. Era um homem deslocado de seu tempo. "Ele gostaria de ter vivido na Florença do Renascimento. Mas nasceu na ponta da América do Sul [Argentina], no início do século 20", observou Salles.
É de um mundo e de um tempo inventados que o personagem tentou falar ao documentarista, que "não soube ouvi-lo". Quando o filmou, Salles "achava que os documentários eram feitos de certezas".
Seguro de conhecer seu personagem, dirigiu-o à exaustão, impondo falas e um modo de dizê-las. O material resultante não se tornou um filme, porque, conforme a autocrítica que Salles faz hoje, sofria do excesso de "controle", que baniu a possibilidade do "acaso", e também de "certo império do formalismo -tinha de ser bonito".
O diretor decidiu voltar a "Santiago" no ano passado, num momento de "crise profissional", portanto, de dúvida. Olhou para os antigos negativos desta vez com a idéia de que "os documentários que têm muitas certezas são chatos, prepotentes ou, na melhor das hipóteses, um bom panfleto".
"Santiago" se tornou então um filme "não sobre Santiago, mas sobre minha relação com ele", diz o diretor. Como personagem, Salles teria de adotar a primeira pessoa em seu filme.
Ele resistiu à idéia, até ser vencido por um argumento que o montador Eduardo Escorel emprestou do documentarista francês Chris Marker: "Contrariamente ao que dizem, usar a primeira pessoa em filmes tende a ser um sinal de humildade. Tudo que tenho a oferecer sou eu mesmo". (SA)


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