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Música
Charles Aznavour prepara despedida
Veterano da música francesa, cantor realiza shows em SP, no Rio e em Porto Alegre em turnê que afirma ser a sua última
Em entrevista à Folha, Charles Aznavour relembra sua carreira e comenta relação com Edith Piaf e problema no ouvido
LENEIDE DUARTE-PLON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS
Ele é o último "monstro sagrado" da canção francesa. Aos
82 anos, Charles Aznavour, que
morou com Edith Piaf (1915-1963) sem ter tido um caso de
amor com ela, visita o Brasil pela "quinta ou sexta vez" para
cantar em diversas capitais, em
"turnê de despedida".
Baixo, feio e com a voz "ingrata" que a natureza lhe deu,
Aznavour tem uma presença
mágica em cena, que o transformou num ídolo da canção
mundial. Ele já vendeu 100 milhões de discos e lota as salas de
espetáculos das principais capitais do mundo há 50 anos.
Leia a seguir entrevista que o
cantor concedeu à Folha.
FOLHA - No início de sua carreira,
dizia-se que o sr. tinha "um físico difícil e uma voz ingrata". Como o sr.
conseguiu impor seu estilo?
CHARLES AZNAVOUR - Ele se impôs sozinho, não fiz nada. Continuei, não quis ser diferente do
que eu era. Não se pega um
trem andando. Não tentei fazer
iê-iê-iê, rock ou rap. Fiz o que
fiz, e isso se tornou uma espécie
de clássico. As pessoas vêm me
ouvir como um show clássico,
com uma diferença: tenho mais
público que os músicos que fazem música clássica.
FOLHA - O sr. conheceu Edith Piaf,
morou com dela, mas não tiveram
uma relação amorosa. Por quê?
AZNAVOUR - Eu era cúmplice
dela. Na época, eu estava apaixonado e vivia um outro amor.
Não se abandona a vida que a
gente tem para viver com uma
pessoa famosa por puro interesse, por carreirismo. Não sou
um carreirista. Há muitas mulheres que eu amei com quem
não tive uma vida sexual. Piaf e
Amália Rodrigues são duas delas. Conheci bem Amália, tínhamos uma grande cumplicidade. Eu a via menos do que via
Piaf, é claro, mas penso que as
pessoas que se dão bem não devem necessariamente passar
pela cama. Éramos cúmplices,
gostávamos das mesmas coisas.
FOLHA - Qual foi o momento mais
emocionante de sua carreira?
AZNAVOUR - Foi quando meus
pais foram olhar um grande
cartaz de meu espetáculo da altura de um prédio de cinco andares, perto do Moulin Rouge, e
ficaram olhando alguns minutos, completamente fascinados
e felizes. Eu os observava de
longe. Esse foi o momento mais
emocionante da minha vida, lá
pela década de 50.
FOLHA - O sr. conhece a música
brasileira?
AZNAVOUR - Sim, muito bem.
Quando fui pela primeira vez
ao Brasil, havia uma cantora
chamada Marlene, que tinha
ido ao programa de Edith Piaf
no Bobino de Paris por muito
tempo, e de quem Piaf gostava
muito. E, quando cheguei ao
Brasil, Marlene me disse: "Preparei uma surpresa, vou te
mostrar o que há de mais novo
aqui". Ela tinha preparado uma
noite com Jobim, João Gilberto
e Elizeth Cardoso. Em uma
noite, conheci o Brasil.
FOLHA - O sr. gravou em inglês, italiano, espanhol e alemão. Nunca se
sentiu tentado pelo português?
AZNAVOUR - Eu canto as minhas canções, por isso não canto canções brasileiras. Nunca
tive contato com tradutores para o português. Os tradutores
me enviavam traduções de minhas canções em alemão, espanhol, italiano e inglês, e trabalhávamos juntos. Nunca me
propuseram traduções em português. E eu nunca forcei.
FOLHA - Existe uma canção de um
outro compositor que o sr. gostaria
de ter feito?
AZNAVOUR - Há muitas. Eu gostaria de ter escrito todas as belas canções do mundo.
FOLHA - O sr. cantou nas cidades
mais importantes do mundo. Qual o
público mais difícil ou exigente?
AZNAVOUR - O mais difícil é o
público esnobe. Ele pode ser de
qualquer país. Aplaude com as
pontas dos dedos ou com luvas.
Viram tudo, ouviram tudo, conhecem tudo. Esse público pode dar opinião sobre tudo, e
sempre uma opinião crítica.
Esse é o público ruim.
FOLHA - O sr. teve uma das carreiras mais longas e importantes da
canção francesa. Vai poder realmente parar depois dessa turnê?
AZNAVOUR - Sou obrigado.
Num dado momento não poderei mais subir num palco.
Quando tive um grande problema de ouvido, disse que pararia. E então consegui me disciplinar para que meu ouvido só
ouvisse o que era preciso. Mas
foi muito difícil, e continua
sendo. Com um ouvido ouço
um tom diferente do que ouço
com o outro. Isso é terrível. De
repente, o violino que deve tocar ao mesmo tempo que o piano, o ouço com dois tons.
FOLHA - E o que acontece?
AZNAVOUR - Eu me disciplinei.
Passei a ouvir apenas o que
quero ouvir, apenas o que tenho necessidade de ouvir. Mudei introduções, há instrumentos que tive que tirar, pois não
dava para mantê-los.
FOLHA - E quando o sr. pretende
parar de vez de cantar?
AZNAVOUR - Quando estiver totalmente destruído (risos).
Leia a íntegra da entrevista
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