São Paulo, domingo, 11 de abril de 2010

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Minha nada mole vida

Pegar trânsito, perder a boca-livre em restaurantes e o carro bancado pelo time: jogadores que voltaram da Europa contam como adaptam hábitos luxuosos à realidade brasileira

Eduardo Knapp/Folha Imagem
O corintiano Roberto Carlos nas arquibancadas do Parque São Jorge

Depois que ganhou o Campeonato Brasileiro, em dezembro do ano passado, o Flamengo foi recebido pelo presidente Lula em Brasília. Jogadores e comissão técnica viajaram juntos a Brasília, em avião de carreira. Mas um deles preferiu fazer um roteiro próprio. "O Adriano chegou lá de jatinho, 15 minutos antes da audiência com o Lula", conta o ex-presidente do clube, Delair Dumbrosck, umas das pessoas que, em abril de 2009, viabilizaram a contratação do Imperador, apelido do atacante, para a equipe rubro-negra.

 

Craques que, como o Imperador, ganharam fortunas em temporadas fora do Brasil (ele abriu mão de contrato de R$ 8,5 milhões na Internazionale de Milão) e voltaram ao país -Ronaldo, do Corinthians, Vágner Love, hoje no Flamengo, Robinho, do Santos, Cicinho, do São Paulo, e Roberto Carlos, também no Timão- tentam manter os luxos da vida antiga ao mesmo tempo em que se adaptam à nova vida brasileira.

 

De volta a São Paulo depois de 15 anos, desde que deixou o Palmeiras rumo à Europa, o lateral Roberto Carlos tenta se acostumar ao trânsito da cidade. Se, nos tempos de Real Madrid, ele morava a "oito, dez minutos" do treino, hoje ele leva uma hora para ir de sua casa, na rua Oscar Freire, até o Parque São Jorge, sede do Corinthians. "Aquela Radial Leste é uma confusão danada", diz, sobre a avenida que se tornou parte de seu caminho diário. O lateral são-paulino Cicinho faz coro contra o trânsito: "São Paulo não tem mais horário de pico. Pô, o rádio [gravador do repórter] tá ligado aqui, mas vou falar mesmo assim. Em São Paulo horário é tudo pica."

 

Outra reclamação dos boleiros é com os donos de restaurantes da capital. No tempo em que era habituê do Asador Donostiarra, churrascaria considerada "point" dos jogadores do Real Madrid, Roberto Carlos não precisava botar a mão no bolso. "Era sentar para comer, levantar, ir embora e dizer "muito obrigado". Aqui em São Paulo todo mundo cobra, rapaz!", diz ele, que frequenta A Figueira Rubaiyat, o Gero e a cantina Lellis Trattoria, nos Jardins, e costuma tomar "um cafezinho" nos hotéis Maksoud Plaza e Renaissance.

 

Cicinho, que voltou ao Brasil em fevereiro, emprestado pela Roma, calcula que, nos primeiros 15 dias em SP, foi oito vezes a churrascarias. "Minha comida na Itália, nos últimos dois anos, era só macarrão, macarrão, macarrão. Não tive problema, mas falta o tempero brasileiro, o arroz, o feijão."

 

O lateral estreou no SPFC no mesmo dia em que desembarcou em Cumbica. Com o ritmo de concentrações impedindo que saísse para procurar casa, foi morar no centro de treinamento. O quarto número 4 da concentração, na Barra Funda, que divide com o goleiro Bosco, tem televisor com DVD, mesinha com telefone, banheiro e armários. Bem diferente da casa de três andares e quatro quartos em que morava, nos arredores de Roma, onde pagava 6.000 de aluguel.

 

Os craques voltam ao Brasil já como objeto de cobiça de patrocinadores. Adriano, cuja maior parte do salário de R$ 450 mil é paga pela Olympikus, fornecedora de material esportivo do Flamengo, fechou cinco patrocínios depois de chegar. "Antes ele não queria. Na Copa de 2006, deixou de ganhar cachê de US$ 1,2 milhão do Santander, porque teria que ficar dois dias gravando o comercial. Colocaram o Cafu no lugar dele. Agora o Adriano está mais aberto", diz Gilmar Rinaldi, empresário do jogador.

 

Roberto Carlos diversificou os investimentos. Investe cerca de R$ 1,7 milhão por ano na equipe de Stock Car de que é sócio. Tem a grife RC3, reativou seu escritório de agenciamento artístico -onde empresaria a dupla Rionegro e Solimões, a banda de axé Psirico e o grupo Só pra Contrariar, do cantor Fernando Pires, seu padrinho de casamento- e abriu uma empresa para captar patrocínios pessoais. Mas, mesmo com tudo isso e um salário estimado em R$ 300 mil, ele tem saudade de algumas vantagens dos contratos europeus. Quando jogava no Real Madrid, Roberto só circulava de Audi, dado pela montadora que patrocina o clube. "Aqui cada um tem o carro próprio. As empresas poderiam patrocinar não só o clube, mas também os jogadores. O Corinthians poderia ser o pioneiro nessas coisas boas também."

 

Eliminado do Campeonato Paulista, ele espera poder se atualizar sobre a noite paulistana comemorando algum título do Timão no futuro. "Na minha época de Palmeiras, a gente ia às boates boas. Lembra da Limelight? Acho até que já fechou." E quer gastar parte do patrocínio de R$ 35 milhões que a vinda de Ronaldo e a dele ajudaram o Corinthians a faturar. "Se formos campeões, o presidente Andrés [Sanchez] tem que levar a gente para hotéis bons, restaurantes bons, porque agora o Corinthians tá com dinheiro."

 

"Jogando na Rússia [no CSKA de Moscou], a visibilidade diminui bastante", diz Vágner Love, explicando a decisão de voltar. "Em Moscou, eles têm muita estrutura, mas não têm os profissionais corretos para trabalhar. Aqui a preparação é melhor", diz. Mas é fora de campo que a vida mudou. "Lá eu ficava muito em casa, assistindo televisão. Ia muito em shopping, restaurante, mas não era muito de sair. Aqui você pode ir no cinema, num teatro e curtir um pagode." Ele diz que os shows de "amigos" do meio, como os cantores Belo e Zeca Pagodinho e os grupos Exaltasamba e Revelação, são seus programas preferidos no Rio. Recentemente, depois de uma noitada, ele teve até que prestar depoimento à polícia por ter participado, na Rocinha, de um baile funk em que apareceu ao lado de traficantes armados.

Era sentar [numa churrascaria espanhola] para comer, levantar, ir embora e dizer "muito obrigado". Aqui em São Paulo todo mundo cobra, rapaz!"
ROBERTO CARLOS
jogador do Corinthians

"O presidente Andrés [Sanchez, do Corinthians] tem que levar a gente para hotéis bons, restaurantes bons, porque agora o Corinthians tá com dinheiro"
IDEM

"Aquela [avenida] Radial Leste é uma confusão danada"
IDEM

Reportagem DIÓGENES CAMPANHA



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