São Paulo, sábado, 11 de maio de 2002 |
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LIVRO/ARTES PLÁSTICAS Memórias do esquecimento
ANA WEISS DA REDAÇÃO Farnese de Andrade dizia que não tinha memória. Uma queda de infância lhe trouxera um tipo de distúrbio mental, contava, que o impossibilitava de fazer contas elementares e de apreender o sentido de textos e de imagens. "Tudo que fiz saiu de dentro de mim", concluía em anotações reunidas sob o título "A Grande Alegria", escrito em que o artista plástico mineiro, morto em 1996, descreve-se como ingênuo e inconsciente fazedor de assemblages, justaposições de objetos de diferentes naturezas, sua principal frente de trabalho. Essa é uma das explicações do próprio Farnese para o singular da sua obra, onírica, memorialista e auto-referente, a única brasileira a ser acolhida por sala especial na alemã Configura 2, em 1995, e até hoje pouco lembrada no circuito Rio-São Paulo (apenas três individuais foram realizadas após sua morte: na galeria Nara Roesler, no MAM e na galeria Porto Seguro, todas em São Paulo). Pela primeira vez, seu legado tem registro à altura. O livro "Farnese de Andrade", que chega às livrarias no dia 20 de maio, recupera obra e vida do artista que criou códigos solitários, mas fortes o suficiente para resistir ao próprio esquecimento e à falta de memória alheia (uma das Bienais de São Paulo das quais participou não incluiu seu nome no índice remissivo do catálogo da exposição). O livro é a mais ambiciosa edição de Charles Cosac, que edita as mais importantes obras sobre artes plásticas no país. O texto principal é assinado pelo crítico Rodrigo Naves e chama-se "A Grande Tristeza", uma citação ao material escrito de Farnese, que não está na edição. Encadernado à obra, acompanha um DVD com registro realizado pelo também crítico Olívio Tavares de Araújo. "Herdeiro natural" O editor foi "herdeiro natural" da memória do amigo Farnese de Andrade, por quem cultivou uma espécie de paixão platônica durante a fase mais produtiva do artista. Ele ganhou de presente uma mala velha (mineira, de couro) com dezenas de fotografias de obras e documentos uma semana antes de Farnese ser encontrado morto na escadaria de sua lendária casa no Rio Comprido, no Rio, algo equivalente a R$ 60 mil, nas contas do editor. Cosac havia acabado de chegar ao país para criar a editora, e seu primeiro projeto seria o livro sobre a obra de Farnese. "Fui visitá-lo e pensei que em seguida faríamos o livro juntos. Mas, na ocasião, ele me avisou que morreria logo. Foi na semana seguinte da minha chegada que isso aconteceu. Por essa razão só recentemente tive coragem de abrir o armário com toda sua documentação e voltar a trabalhar neste livro, que é a coisa a que mais me dediquei desde que trabalho com edição de arte no Brasil." O livro começa com uma série longa e apurada de imagens de detalhes de obras, sem os dados técnicos, que ficaram reservados para a parte final do livro, que reproduz as obras inteiras. "Uma forma de ensinar as pessoas a enxergarem as obras de arte", diz Cosac. Em Farnese de Andrade, os detalhes são importantes. Para ele, a vida acontecia aos pedaços. Texto Anterior: Programação de TV Próximo Texto: Escultor buscava tempo "que não existe" Índice |
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