São Paulo, sábado, 11 de maio de 2002

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LIVRO/ARTES PLÁSTICAS

"FARNESE DE ANDRADE"

Biografia trágica do ex-aluno de Guignard é ainda a legenda mais clara para explicar sua obra

Escultor buscava tempo "que não existe"

DA REDAÇÃO

A história de vida de Farnese de Andrade é truncada mesmo para os poucos que o acompanharam de perto. Mas não só pela memória fragmentada e labiríntica que ele atribuía ao tombo na infância, mas também pelo discurso emocional com que lembrava de passagens. As muitas caixas em que guardou bonecas em cacos, ex-votos e fotografias e que marcaram uma fase importante de sua produção representam essa necessidade de guardar resquícios de lembranças dolorosas, traumáticas e sempre em frangalhos.
O crítico Rodrigo Naves, autor do texto do livro sobre o artista, escreve que, à primeira vista, é esse o tipo de análise que sua obra suscita: "Não é de se espantar que boa parte dos comentários sobre a obra de Farnese de Andrade se detenha em sua biografia ou sua pessoa. A história da vida do artista acolhia generosamente as tentativas de explicar através dela o significado de seu trabalho".
A matéria prima que o ex-aluno de Guignard usava em seus objetos já vinha carregada de significados trágicos antes de virar obra. Ele gostava de juntar ex-votos (pedaços de bonecos usados no agradecimento de fiéis por graças alcançadas), bonecas quebradas, projéteis, oratórios, sempre velhos e desgastados. Coisas vindas de histórias de sofrimentos, normalmente ligadas à infância e à família, como móveis e brinquedos. É enorme o número de trabalhos intitulados "Mater" e "Pater".
Por isso sua história pessoal acaba funcionando como legenda de sua obra. Filho de uma família mineira de mais de dez irmãos, perdeu dois deles em uma enchente. Muitas de suas criações são dedicadas a Emanuel, um dos meninos que se jogou na água para salvar o mais novo e acabou também afogado.
A mãe deixou o pai quando Farnese ainda era criança. Dona Mariquinha chegou a viver com o artista no Rio nos anos 40, durante os primeiros anos do tratamento contra uma tuberculose que lhe tomava a respiração (era fumante inveterado e morreu de enfisema pulmonar). Ele dizia que não gostava de Minas porque o mar do Rio é que aliviava seus pulmões.
A fotografia é um dos elementos comuns mais evidentes na obra de Farnese de Andrade. Especialmente as imagens de Araguari, sua cidade natal, clicadas por um tio-avô. "Tive a sorte de ter tido um tio fotógrafo e ficou na família uma coleção de chapas e cópias de casamento, senhores e senhoras graves e endomingados, gente que povoava há mais de 60 anos o Triângulo Mineiro", escreveu Farnese. Sua imensa série de caixas e oratórios, ele chamou de "Em Busca do Tempo". "Não o tempo perdido de Proust, mas o que não existe e as fotos tentam colher e imobilizar", escreveu.
Parte importante de sua obra pertence a acervos de museus, fundações e instituições como o Museu de Arte Moderna de Nova York, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas-Artes do Rio de Janeiro, Museu de Arte Contemporânea da Prefeitura de Niterói, Museu de Arte Moderna de São Paulo, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Instituto de Arte Contemporânea de Londres e Coleção de Arte Latino-Americana da Universidade de Essex. (ANA WEISS)


FARNESE DE ANDRADE. Texto de Rodrigo Naves e DVD de Olívio Tavares de Araújo. Projeto gráfico de Raul Loureiro. Pesquisa de Jô Frazão e Fátima Justiniano. Editora: Cosac & Naify. Quanto: R$ 160 (456 págs.)



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