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LIVRO/ARTES PLÁSTICAS
"FARNESE DE ANDRADE"
Biografia trágica do ex-aluno de Guignard é ainda a legenda mais clara para explicar sua obra
Escultor buscava tempo "que não existe"
DA REDAÇÃO
A história de vida de Farnese de
Andrade é truncada mesmo para
os poucos que o acompanharam
de perto. Mas não só pela memória fragmentada e labiríntica que
ele atribuía ao tombo na infância,
mas também pelo discurso emocional com que lembrava de passagens. As muitas caixas em que
guardou bonecas em cacos, ex-votos e fotografias e que marcaram uma fase importante de sua
produção representam essa necessidade de guardar resquícios
de lembranças dolorosas, traumáticas e sempre em frangalhos.
O crítico Rodrigo Naves, autor
do texto do livro sobre o artista,
escreve que, à primeira vista, é esse o tipo de análise que sua obra
suscita: "Não é de se espantar que
boa parte dos comentários sobre
a obra de Farnese de Andrade se
detenha em sua biografia ou sua
pessoa. A história da vida do artista acolhia generosamente as tentativas de explicar através dela o
significado de seu trabalho".
A matéria prima que o ex-aluno
de Guignard usava em seus objetos já vinha carregada de significados trágicos antes de virar obra.
Ele gostava de juntar ex-votos
(pedaços de bonecos usados no
agradecimento de fiéis por graças
alcançadas), bonecas quebradas,
projéteis, oratórios, sempre velhos e desgastados. Coisas vindas
de histórias de sofrimentos, normalmente ligadas à infância e à família, como móveis e brinquedos.
É enorme o número de trabalhos
intitulados "Mater" e "Pater".
Por isso sua história pessoal
acaba funcionando como legenda
de sua obra. Filho de uma família
mineira de mais de dez irmãos,
perdeu dois deles em uma enchente. Muitas de suas criações
são dedicadas a Emanuel, um dos
meninos que se jogou na água para salvar o mais novo e acabou
também afogado.
A mãe deixou o pai quando Farnese ainda era criança. Dona Mariquinha chegou a viver com o artista no Rio nos anos 40, durante
os primeiros anos do tratamento
contra uma tuberculose que lhe
tomava a respiração (era fumante
inveterado e morreu de enfisema
pulmonar). Ele dizia que não gostava de Minas porque o mar do
Rio é que aliviava seus pulmões.
A fotografia é um dos elementos
comuns mais evidentes na obra
de Farnese de Andrade. Especialmente as imagens de Araguari,
sua cidade natal, clicadas por um
tio-avô. "Tive a sorte de ter tido
um tio fotógrafo e ficou na família
uma coleção de chapas e cópias de
casamento, senhores e senhoras
graves e endomingados, gente
que povoava há mais de 60 anos o
Triângulo Mineiro", escreveu
Farnese. Sua imensa série de caixas e oratórios, ele chamou de
"Em Busca do Tempo". "Não o
tempo perdido de Proust, mas o
que não existe e as fotos tentam
colher e imobilizar", escreveu.
Parte importante de sua obra
pertence a acervos de museus,
fundações e instituições como o
Museu de Arte Moderna de Nova
York, Museu de Arte Moderna do
Rio de Janeiro, Museu Nacional
de Belas-Artes do Rio de Janeiro,
Museu de Arte Contemporânea
da Prefeitura de Niterói, Museu
de Arte Moderna de São Paulo,
Pinacoteca do Estado de São Paulo, Instituto de Arte Contemporânea de Londres e Coleção de Arte
Latino-Americana da Universidade de Essex.
(ANA WEISS)
FARNESE DE ANDRADE. Texto de
Rodrigo Naves e DVD de Olívio Tavares
de Araújo. Projeto gráfico de Raul
Loureiro. Pesquisa de Jô Frazão e Fátima
Justiniano. Editora: Cosac & Naify.
Quanto: R$ 160 (456 págs.)
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