São Paulo, terça-feira, 11 de maio de 2004

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5º CHIVAS FESTIVAL

Sem "estrelas pop", evento confirma vitalidade do jazz

CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Só o fato de ter trazido pela primeira vez ao país a Sun Ra Arkestra, uma das big bands mais originais (e a mais subestimada) na história desse gênero musical, já seria um grande mérito. Mas o 5º Chivas Jazz Festival, que terminou na madrugada de anteontem, deixou um saldo bem maior.
Com o DirecTV Music Hall lotado nas quatro noites, o festival mostrou mais uma vez que não precisa programar música pop, nem mesmo jazzistas conhecidos no país, para atrair seu público. Um caso típico: sem discos lançados aqui, a veterana cantora Sheila Jordan conquistou fácil a platéia com versões de standards carregadas de emoção, bem acompanhada pelo trio do sofisticado pianista Steve Kuhn.
Também inédito no país, o acordeonista Richard Galliano provocou sorrisos com seu sacudido baião "Sertão", depois de contagiar o público com valsas e tangos jazzísticos. O francês teve que voltar ao palco duas vezes.
Outro favorito foi o lendário baterista Louis Hayes, que deu uma aula de suíngue e domínio do instrumento, sem apelar para exibicionismos. Destacando os talentosos Vincent Herring (sax alto) e Jeremy Pelt (trompete), sua Cannonball Adderley Legacy Band impressionou pela precisão.
Impacto semelhante causou a Bump the Renaissance Band de Bobby Previte, baterista inquieto que mistura elementos de vanguarda com batidas próximas do rock e do funk, em composições que parecem trilhas sonoras.
Mesmo sem estar num dia inspirado como intérprete, o trompetista Tom Harrell confirmou em quatro temas inéditos e belos que é um compositor privilegiado. Em seu quinteto, o sax tenor Marcus Strickland provou ser um talento em ascensão.
O veterano sax alto Bud Shank também agradou, tocando releituras do bebop, mas o ritmo mecânico que o baterista Joe la Barbera imprimiu ao único samba do repertório ("Carousels") quase comprometeu o prestígio de precursor da bossa nova de Shank.
Mais fria foi a reação da platéia frente ao trio do pianista Andrew Hill, que preferiu improvisos cerebrais a exibir melhor suas criativas composições. O homenageado Raul de Souza também não chegou a empolgar. Apostou no repertório de seu novo disco, que não parece ter algo de novo.
Já os velhinhos alucinados da Sun Ra Arkestra provaram que as excentricidades musicais e cênicas de seu criador, morto há uma década, soam cada vez mais contemporâneas. Recriando suíngue dos anos 20, blues e standards, sempre com um toque vanguardista, o saxofonista Marshall Allen e seus parceiros sugerem que no jazz o "como tocar" é, cada vez mais, o espírito da coisa.


Carlos Calado é autor de "O Jazz como Espetáculo", entre outros livros

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