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Festival de uísque trouxe o "old that jazz" ao Brasil
SÉRGIO MALBERGIER
EDITOR DE MUNDO
O que John Coltrane, Charlie
"Bird" Parker, Bud Powell,
Bill Evans, Billie Holiday e Clifford Brown têm em comum além
de serem feras do jazz? Morreram
antes ou logo depois de completar
50 anos.
E o que Andrew Hill, Sheila Jordan, Bud Shank e Louis Hayes
têm em comum além de terem se
apresentado no 5º Chivas Jazz
Festival na semana passada? Mais
de 60 anos. Em alguns casos, muito mais.
Como a primeira lista mostra, o
jazz, arte seminal, geralmente não
rima muito bem com a chamada
terceira idade. Como a segunda
lista mostra, o elenco do Chivas
deste ano poderia ter sido mais,
diríamos, jovial.
A noite de quinta em São Paulo
foi particularmente irritante:
Shank, aos 77 anos, fazia milagres
a ouvidos nus em seu sax, era incrível ouvi-lo tirar ainda alguns
registros difíceis cercado de branquelos de meia idade e de meio
cabelo. Já o baterista Louis Hayes
-"quase 50 anos de carreira", gaba-se o folheto do festival- até
que trouxe em sua banda jovens
feras de uns, hum, 40 anos talvez e
exibiu, como Shank, vigor surpreendente. Mas a bateria é um
instrumento físico. Quanto mais
agilidade, mais opções.
Nada contra a terceira idade,
melhor idade, idade do ouro, escolha o rótulo correto. Mas esses
artistas nada mais têm a nos mostrar no palco. Não vale a viagem a
um dos únicos festivais de jazz do
país, que, é preciso registrar, faz
notável trabalho para manter viva
uma das formas mais originais de
arte surgida no século 20.
Talvez o fato de o festival ser
bancado por uma marca de uísque pudesse ter interferido no
elenco, já que uísque não é bebida
de jovem (este parece preferir a
cerveja, a julgar pelos festivais que
a "loira" banca). Mas os organizadores do Chivas negam intromissão dos patrocinadores no elenco.
Se são critérios artísticos, renovem elencos, busquem o novo,
para o jazz não definhar.
Toy Lima, 50, produtor do festival, diz que "não existe uma preocupação de mostrar o novo", mas
promete trazer um elenco mais
jovem ao Brasil no ano que vem.
Diz ainda que o número de jovens
em idade escolar que freqüenta o
festival é grande, visto na venda
de meia-entrada, embora o "target" dos patrocinadores seja a faixa de 30 anos para cima.
E Toy alerta: "É subestimar a cabeça dos jovens achar que eles
gostam só de bate-estaca". Tem
razão. Eles hoje misturam o "bate-estaca" com o jazz. Duas das
mais inovadoras (e populares)
formas de expressão musical jovem hoje sofrem enorme influência jazzística: o rap e a eletrônica.
Talvez no ano que vem possamos ver essas novas fusões, que
levarão ainda mais além as inovações admiráveis dos vovôs do
jazz, que descansem em paz.
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