São Paulo, terça-feira, 11 de maio de 2004

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Festival de uísque trouxe o "old that jazz" ao Brasil

SÉRGIO MALBERGIER
EDITOR DE MUNDO

O que John Coltrane, Charlie "Bird" Parker, Bud Powell, Bill Evans, Billie Holiday e Clifford Brown têm em comum além de serem feras do jazz? Morreram antes ou logo depois de completar 50 anos.
E o que Andrew Hill, Sheila Jordan, Bud Shank e Louis Hayes têm em comum além de terem se apresentado no 5º Chivas Jazz Festival na semana passada? Mais de 60 anos. Em alguns casos, muito mais.
Como a primeira lista mostra, o jazz, arte seminal, geralmente não rima muito bem com a chamada terceira idade. Como a segunda lista mostra, o elenco do Chivas deste ano poderia ter sido mais, diríamos, jovial.
A noite de quinta em São Paulo foi particularmente irritante: Shank, aos 77 anos, fazia milagres a ouvidos nus em seu sax, era incrível ouvi-lo tirar ainda alguns registros difíceis cercado de branquelos de meia idade e de meio cabelo. Já o baterista Louis Hayes -"quase 50 anos de carreira", gaba-se o folheto do festival- até que trouxe em sua banda jovens feras de uns, hum, 40 anos talvez e exibiu, como Shank, vigor surpreendente. Mas a bateria é um instrumento físico. Quanto mais agilidade, mais opções.
Nada contra a terceira idade, melhor idade, idade do ouro, escolha o rótulo correto. Mas esses artistas nada mais têm a nos mostrar no palco. Não vale a viagem a um dos únicos festivais de jazz do país, que, é preciso registrar, faz notável trabalho para manter viva uma das formas mais originais de arte surgida no século 20.
Talvez o fato de o festival ser bancado por uma marca de uísque pudesse ter interferido no elenco, já que uísque não é bebida de jovem (este parece preferir a cerveja, a julgar pelos festivais que a "loira" banca). Mas os organizadores do Chivas negam intromissão dos patrocinadores no elenco. Se são critérios artísticos, renovem elencos, busquem o novo, para o jazz não definhar.
Toy Lima, 50, produtor do festival, diz que "não existe uma preocupação de mostrar o novo", mas promete trazer um elenco mais jovem ao Brasil no ano que vem. Diz ainda que o número de jovens em idade escolar que freqüenta o festival é grande, visto na venda de meia-entrada, embora o "target" dos patrocinadores seja a faixa de 30 anos para cima.
E Toy alerta: "É subestimar a cabeça dos jovens achar que eles gostam só de bate-estaca". Tem razão. Eles hoje misturam o "bate-estaca" com o jazz. Duas das mais inovadoras (e populares) formas de expressão musical jovem hoje sofrem enorme influência jazzística: o rap e a eletrônica.
Talvez no ano que vem possamos ver essas novas fusões, que levarão ainda mais além as inovações admiráveis dos vovôs do jazz, que descansem em paz.


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