São Paulo, quinta-feira, 11 de maio de 2006

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COMIDA

Segredos de mãe

CRISTIANE LEONEL
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Le Cordon Bleu? École Lenôtre? Nada disso. O início do aprendizado culinário, para muitos chefs, aconteceu em casa, entre uma e outra colherada roubada das caçarolas das mães prendadas. E muitos deles carregam até hoje as sagradas (e por vezes secretas) receitas e dicas das mães, utilizando-as, inclusive, no menu de seus restaurantes.
Henrique Michalany, proprietário e chef da Brasserie Paulistta, nos Jardins, é um dos que mantêm com orgulho a receita familiar no cardápio da casa. O tiramisù da Malu, modo como apelidou a sobremesa da mãe Maria Lúcia Michalany, foi incorporado ao menu depois de passar por testes degustativos.
"A receita da minha mãe agradou mais do que a minha. A única mudança que fiz na receita dela foi no modo de servir: em vez de colocá-lo numa travessa, faço em porção individual", explica o chef Henrique Michalany.
Os ingredientes são fáceis de encontrar, quase todos disponíveis em dispensas e geladeiras de uma mãe cozinheira: bolacha champanhe, café coado, licor, ovos, açúcar e queijo (veja receita no quadro à direita).
No restaurante Tanger, na Vila Madalena, Paulette D'Israel não só cedeu a fórmula à filha, Dinah Doctors, como também pôs (e põe) a mão na massa. Literalmente. No caso, nas finas massas dos doces marroquinos, cujas receitas, segundo tradição local, passam de mãe para filha. Dinah, conseqüentemente, passou seus conhecimentos culinários à filha, Ariela, que hoje, além de ajudar na cozinha, cuida também da administração da casa.
"Quando nós três abrimos o restaurante, as receitas eram só as tradicionais. Com o tempo, minha mãe foi dando toques de modernidade aos pratos", explica Ariela.
Além da tradição familiar, a receita dos doces do Tanger prima pelo sigilo. Em se tratando de uma data familiar, a chef do Tanger abriu uma exceção e cedeu uma de suas receitas secretas com exclusidade à Folha: a do doce Cornes de Gazelle, que leva ingredientes básicos da cozinha marroquina: amendôas, açúcar glacê e flor de laranjeira (leia receita ao lado).

Caça ao coelho
Quando prepara o coelho rústico com purê de batatas no Pomodori, no Itaim, o chef Rodrigo Martins faz despertar sua memória olfativa. Isso porque a receita, herdada da mãe, Clarice Baldan, faz parte de uma importante etapa de sua vida, em Londrina, no Paraná, onde nasceu.
"Quando era pequeno, costumava caçar coelhos com meu pai para que minha mãe preparasse para a família. Todos nós esperávamos, como em um ritual, o preparo, que demorava dois dias a partir da marinada", diz Martins.
A receita utilizada no Pomodori seria a mesma da mãe, não fosse o coelho, que, em vez de selvagem, é de criação, e o toque final de tartufo nero, espécie de cogumelo raro que ele utiliza para aromatizar os pratos.
A cozinha também traz à tona recordações de infância para Sandro Sarbach, chef do restaurante Piccolo Bistrot, em Perdizes. Aos dez anos, aprendeu com a mãe os truques do rigatoni (massa italiana com formato de tubos curtos, largos e canelados). O mistério do Rigatoni alla Norma, como designou o prato no menu da casa em menção à mãe, é regado a molho de tomate bem encorpado, feito de um dia para o outro, como é comumente preparado na Sicília, região onde o chef suíço cresceu.
"Um dos segredos é deixar cozinhar o molho por pelo menos duas horas e meia em fogo baixo", conta Sarbach.
Foi também na infância, em Barbacena, cidade do interior de Minas Gerais, que o chef Marcílio Araújo, do L'Ami Bistrô, no Itaim, aprendeu os truques culinários da mãe, Lúcia Helena de Araújo. O caldinho de feijão que hoje prepara no restaurante -especialmente em épocas frias- é um legado da mãe.
"Tudo na minha casa sempre foi feito artesanalmente, da manteiga ao doce de leite", relembra o chef, que aprendeu a preparar o suculento caldo de feijão, incrementado com cachaça e tutano, e outras iguarias mineiras apenas observando a prática diária da mãe.

O patê da sorte
Para Charlô Whately, o legado materno foi também fator fundamental no começo de carreira, na década de 80. Na volta de sua viagem à França, Charlô trouxe na mala uma receita de patê de foie (fígado) que copiou do caderno de uma senhora para quem cozinhava em Paris. "Quando cheguei ao Brasil, criei uma nova receita, misturando a francesa com a da minha mãe."
A nova versão do patê logo fez sucesso em festas da alta sociedade e batizou Charlô na gastronomia, que segue vendendo seus patês e outros quitutes no restaurante Bistrô Charlô.


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