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COMIDA
Segredos de mãe
CRISTIANE LEONEL
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Le Cordon Bleu? École Lenôtre?
Nada disso. O início do aprendizado culinário, para muitos chefs,
aconteceu em casa, entre uma e
outra colherada roubada das caçarolas das mães prendadas. E
muitos deles carregam até hoje as
sagradas (e por vezes secretas) receitas e dicas das mães, utilizando-as, inclusive, no menu de seus
restaurantes.
Henrique Michalany, proprietário e chef da Brasserie Paulistta,
nos Jardins, é um dos que mantêm com orgulho a receita familiar no cardápio da casa. O tiramisù da Malu, modo como apelidou
a sobremesa da mãe Maria Lúcia
Michalany, foi incorporado ao
menu depois de passar por testes
degustativos.
"A receita da minha mãe agradou mais do que a minha. A única
mudança que fiz na receita dela
foi no modo de servir: em vez de
colocá-lo numa travessa, faço em
porção individual", explica o chef
Henrique Michalany.
Os ingredientes são fáceis de encontrar, quase todos disponíveis
em dispensas e geladeiras de uma
mãe cozinheira: bolacha champanhe, café coado, licor, ovos, açúcar e queijo (veja receita no quadro à direita).
No restaurante Tanger, na Vila
Madalena, Paulette D'Israel não
só cedeu a fórmula à filha, Dinah
Doctors, como também pôs (e
põe) a mão na massa. Literalmente. No caso, nas finas massas dos
doces marroquinos, cujas receitas, segundo tradição local, passam de mãe para filha. Dinah,
conseqüentemente, passou seus
conhecimentos culinários à filha,
Ariela, que hoje, além de ajudar
na cozinha, cuida também da administração da casa.
"Quando nós três abrimos o
restaurante, as receitas eram só as
tradicionais. Com o tempo, minha mãe foi dando toques de modernidade aos pratos", explica
Ariela.
Além da tradição familiar, a receita dos doces do Tanger prima
pelo sigilo. Em se tratando de uma
data familiar, a chef do Tanger
abriu uma exceção e cedeu uma
de suas receitas secretas com exclusidade à Folha: a do doce Cornes de Gazelle, que leva ingredientes básicos da cozinha marroquina: amendôas, açúcar glacê e
flor de laranjeira (leia receita ao
lado).
Caça ao coelho
Quando prepara o coelho rústico com purê de batatas no Pomodori, no Itaim, o chef Rodrigo
Martins faz despertar sua memória olfativa. Isso porque a receita,
herdada da mãe, Clarice Baldan,
faz parte de uma importante etapa de sua vida, em Londrina, no
Paraná, onde nasceu.
"Quando era pequeno, costumava caçar coelhos com meu pai
para que minha mãe preparasse
para a família. Todos nós esperávamos, como em um ritual, o preparo, que demorava dois dias a
partir da marinada", diz Martins.
A receita utilizada no Pomodori
seria a mesma da mãe, não fosse o
coelho, que, em vez de selvagem, é
de criação, e o toque final de tartufo nero, espécie de cogumelo raro
que ele utiliza para aromatizar os
pratos.
A cozinha também traz à tona
recordações de infância para Sandro Sarbach, chef do restaurante
Piccolo Bistrot, em Perdizes. Aos
dez anos, aprendeu com a mãe os
truques do rigatoni (massa italiana com formato de tubos curtos,
largos e canelados). O mistério do
Rigatoni alla Norma, como designou o prato no menu da casa em
menção à mãe, é regado a molho
de tomate bem encorpado, feito
de um dia para o outro, como é
comumente preparado na Sicília,
região onde o chef suíço cresceu.
"Um dos segredos é deixar cozinhar o molho por pelo menos
duas horas e meia em fogo baixo",
conta Sarbach.
Foi também na infância, em
Barbacena, cidade do interior de
Minas Gerais, que o chef Marcílio
Araújo, do L'Ami Bistrô, no
Itaim, aprendeu os truques culinários da mãe, Lúcia Helena de
Araújo. O caldinho de feijão que
hoje prepara no restaurante -especialmente em épocas frias- é
um legado da mãe.
"Tudo na minha casa sempre
foi feito artesanalmente, da manteiga ao doce de leite", relembra o
chef, que aprendeu a preparar o
suculento caldo de feijão, incrementado com cachaça e tutano, e
outras iguarias mineiras apenas
observando a prática diária da
mãe.
O patê da sorte
Para Charlô Whately, o legado
materno foi também fator fundamental no começo de carreira, na
década de 80. Na volta de sua viagem à França, Charlô trouxe na
mala uma receita de patê de foie
(fígado) que copiou do caderno
de uma senhora para quem cozinhava em Paris. "Quando cheguei
ao Brasil, criei uma nova receita,
misturando a francesa com a da
minha mãe."
A nova versão do patê logo fez
sucesso em festas da alta sociedade e batizou Charlô na gastronomia, que segue vendendo seus patês e outros quitutes no restaurante Bistrô Charlô.
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