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NINA HORTA
Lembranças maternas
Era alta e magra, "fausse maigre", dizia meu pai. Não assisti a seu aprendizado com as panelas. Era do tempo em que a
maioria das moças fazia curso
normal e, no máximo, farmácia.
Fico imaginando que teria arrebentado a banca em qualquer
profissão, inteligente, criativa e
atirada. Provavelmente uma
Montessori ou mais provável madame Helena Antipoff, seu ídolo.
Acabou tendo como tarefa principal casa, marido e filhos. Lidava
razoavelmente bem com empregadas, mas tinha coisas de muito
segredo como as empadinhas e o
camarão com chuchu.
Detestava camarão, quase não
agüentava o cheiro, mas o que
não faria para agradar ao marido?
Sabia exatamente o minuto em
que camarão e chuchu se amalgamavam num gosto só, ainda durinhos, mas não muito.
As coisas mineiras provavelmente aprendera com empregadas antigas da casa da avó onde
fora criada e nas férias, na cidadezinha de interior de uma rua só,
no fogão a lenha, com a mãe que
era toda uma cozinheira perfeita e
meio impaciente. Ela, por sua vez,
lançava-se na cozinha com tudo
-sem se importar com convenções, modas, estilos ou bom gosto. Aliás, o bom gosto e a economia nasceram com ela, uma inglesa para arrumar uma mesa de almoço ou de chá, tirando partido
do simples e sem afetação, mas de
quando em quando uma frescura
vitoriana, num canapé de rodela
de tomate feita com boca de frasquinho de remédio e uma salsa
como folha da flor vermelha.
Especializou-se em empadinhas, que apareciam no domingo
com um frango assado na perfeição. Era boa aquela coisa de pouca novidade e uma repetição esperada e gostosa (para nós, da família, pelo menos). Até hoje não
descobrimos o segredo das empadas, suspeito que fosse banha.
Aliás, até o fim da vida foi o terror dos galinheiros, não podia ver
um frango que achava uso, torcia-lhe o pescocinho sem dó nem piedade e o transformava, não sem
antes emocionar a filha com a
moela cheia de pedrinhas preciosas ou os ovos amarelos e moles, a
surpresa, o encanto, aquele cheiro
que posso sentir agora, de um
frango lavadinho em água corrente, esfregado com fubá e limão,
brilhante de limpeza.
Não conseguia entender almoço ou jantar sem verduras e legumes, sempre só passados na frigideira, sempre al dente, a couve, a
abobrinha, tudo em crocâncias
verdes, uma expert, e a farofa
quente e amanteigada.
Copiava. Competitiva, bastava
alguém da família gostar de alguma coisa e lá ia ela e nhoc, roubava as glórias da comida alheia.
Nas férias na Bahia, os moleques
vieram vender pastel de banana.
Mas aquilo não passou de dois
dias. No terceiro, ela os esperou
com pastéis maiores e polvilhados de açúcar na casa de Itapoã.
Nos anos 50, não resistiu ao chamado de sereia do tender com
pêssegos e cerejas enfeitado com
pinhas douradas de spray, mas
ninguém é perfeito.
Não me lembro de muitas carnes, de bifes (a não ser os terríveis
de fígado, obrigatórios), era mais
das carnes picadinhas, dos molhos, dos croquetes, rainha dos
bolinhos de arroz, de mandioca,
do que fosse. Coisas de de repente, era mestra. Alguém chegava e
apareciam coxinhas, ou camarões
sete-barbas fritos, no improviso,
aos montões, pé-de-moleque, bolinho de chuva, cajuzinho de
amendoim, jamais um bolo, não
sei por quê...
Comidas simples, mas do Rosamaria aprendera umas finuras de
grapefruit com cerejas, encantava
o genro com a bacalhoada (aliás,
tudo o que aprendeu fora de casa
foi no Rosamaria), os netos com
pastéis e panquecas, mas, mãe, estou precisando de seu frango ensopadinho com quiabo e angu
que só aprendi a comer já bem velhusca, mas estou precisando
muito, senhora mãe, coberta de
ouro e prata.
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