São Paulo, quarta-feira, 11 de maio de 2011

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FOCO

Frente ao machismo do funk, Lacraia deu aula de como quebrar preconceito

NINA LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA

"Vai, Lacraia, vai, Lacraia." Quem diria que o hit (quem não conhece essa frase?) pudesse ter sido escrito para uma pessoa que tinha tudo para se alvo de bullying, ou coió, na gíria gay?
Afinal, ela era feia, preta, favelada, gay e nada glamorosa. Lacraia (ou Marco Aurélio Silva), a musa do funk carioca que morreu ontem aos 34 anos, carregava em si quase tudo o que gera preconceito pesado.
Ser gay mais que assumido em um ambiente machista como o do funk já poderia ser o suficiente para que ela tomasse umas garrafadas na cara quando subia para dançar nos bailes do Jacarezinho, zona norte do Rio, onde foi criada.
Nada disso. Acabou virando rainha e convidada para formar uma dupla com o MC Serginho.
Ok. O povo da comunidade aceitou Lacraia. Mas quem poderia imaginar que ela atravessaria o túnel, viraria musa do B na zona sul e no Brasil inteiro? Sim, ela até chegou à televisão. Ficou famosa. Virou orgulho da família e dos vizinhos que a destratavam quando criança.
E continuou rompendo barreiras. Até no fechado e preconceituoso mundo da moda ela entrou.
Não usava peças incríveis feitas por algum estilista badalado (como acontece com várias drag queens de São Paulo) e muito menos roupas de grife. "Eu adoro bolsa Louis Vuitton de camelô", me disse uma vez, quando nos conhecemos durante uma reportagem.
Ela falava da caríssima grife Louis Vuitton e logo começou a mostrar suas peças compradas no Saara (região de comércio popular do Rio). "Gostei de você porque você é fashion", brincou.
Lacraia foi recebida de braços abertos em ambientes que teriam tudo para fechar as portas na sua cara.
E, se riam do seu corpo esquisito, das suas roupas colantes, ela parecia nem mesmo se importar. Ao contrário. Ela ria de quem ria dela. E ainda fazia uma dancinha.
O sucesso foi tanto que ontem, quando sua morte foi noticiada, o nome Lacraia era o assunto mais comentado do Twitter entre os brasileiros. Sim, tinha gente que a mandava para o inferno e a chamava de feia. Mas a maioria falava coisas como "que triste, vai com Deus".
Lacraia, mesmo após morrer, continuou quebrando e requebrando preconceitos.


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