Homenagem a Carlos Gomes no concerto de abertura teve falhas, mas destacou a soprano Adriane Queiroz

SIDNEY MOLINA
CRÍTICO DA FOLHA

"Um canto selvagem, o canto guerreiro dos aimorés, misturou-se com a harmonia sinistra daqueles instrumentos ásperos e retumbantes", escreveu José de Alencar no ano de 1857.
A passagem certamente inspirou "Aspra, Crudel, Terribile", coro dos aimorés da ópera "Il Guarany" (estreada no Scala de Milão em 1870), cujos temas já haviam sido antecipados na "Abertura".
Trechos de quatro obras de Carlos Gomes (1836-1896) foram escolhidos para o concerto inaugural da Orquestra do Theatro São Pedro -novo corpo estável criado pelo governo do Estado- na última quarta-feira, sob a regência do diretor artístico Roberto Duarte (o regente titular é Emiliano Patarra).
Drama e desenvolvimento sinfônico travam relações estreitas em "Fosca" (1873), obra que merece uma nova montagem em São Paulo. O baixo Saulo Javan mostra que pode ser um Gajolo sereno e sonoro e sua voz combinou com a delicada "Stella matutina" feita pelo coro. Outra voz grave interpretou
um dos momentos principais de "Colombo" (1892), pequena ópera apresentada pela primeira vez no Rio no dia exato em que se comemoravam os 400 anos do descobrimento da América.
Em "Era um Tramonto d'Or", Lício Bruno sintetizou a inesperada mescla de religiosidade, paixão e coragem que caracteriza o Cristóvão Colombo de Gomes. Mas foi em "Lo Schiavo" (1889) -como Ilara e Condessa de Boissy- que foi possível apreciar a arte de Adriane Queiroz, soprano paraense que integra o elenco fixo da Statsoper de Berlim.
Sua voz extrai o "pathos" de cada frase e é capaz de graduar brilho e opacidade. Às vezes, parece mais orquestral do que a orquestra, com a qual se liga com suavidade. Adriane já é uma das principais figuras da música clássica brasileira.
A nova Orquestra do Theatro São Pedro não é apenas nova, mas tem cara jovem. Houve falhas, mas é preciso dizer que o trabalho está no início e é importante que possa contar com a experiência musical de Roberto Duarte. Que venham as óperas!