São Paulo, sábado, 11 de junho de 2011

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CRÍTICA FILOSOFIA

Livro reproduz debate entre frei e cientista

Em "Conversa sobre a Fé e a Ciência", Betto e Marcelo Gleiser defendem suas ideais sem menosprezar leigos


A CIÊNCIA, A FÉ E A ARTE SÃO TRATADAS POR VOZES QUE AS VIVEM A FUNDO


MARISA LAJOLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Mesmo um leitor jejuno em ciência e descrente de religiões encontra seu espaço no diálogo que deu origem a "Conversa sobre a Fé e a Ciência".
É como se, meio disfarçado num cantinho, o leitor assistisse à conversa e fosse ficando cada vez mais interessado, meio aliviado de não ter de meter sua colher torta em conversa alheia.
Mas esse silêncio não confina o leitor à passividade; ao contrário, estimula-o a percorrer suas ideias sobre os temas em pauta na conversa, concordar ou discordar, menos ou mais, do que dizem. O grande prazer que o livro reserva aos leitores talvez se deva à perspectiva básica e primária com que ciência e fé são tratadas no livro.
Digo-o no melhor sentido: substantivos abstratos, muitas vezes escritos com maiúsculas, ciência e fé ocupam milhões de páginas de livros, já custaram milhares de vidas e ocupam o pensamento de homens e mulheres. No livro, são abordadas de uma perspectiva de profundo interesse pela humanidade.
A discussão que o livro registra parece ancorar-se na hipótese de que o ser humano sobre a terra sentiu-se sempre desafiado a entender-se a si e a seus arredores.
E as respostas milenares com que vem respondendo a esse desafio são o que se chama ciência, religião, arte. É, portanto, no sentido simultaneamente vago e amplo da expressão "humanismo" que este livro pode constituir leitura fundamental.

A BELEZA DA PROCURA
Sem propor respostas imediatas ou tranquilizadoras para os mistérios da vida e do mundo, o livro aponta a beleza da busca de respostas e dos diferentes caminhos assumidos na procura.
Mas o sentido humano em que se desenrola a discussão não a banaliza. A ciência, a fé e a arte são tratadas por vozes que as vivem a fundo.
O leigo não se sente desrespeitado por concessões ou facilitações conceituais. Marcelo sabe que nem tudo o que diz é de fácil compreensão, como Betto sabe que as correntes de estudos bíblicos em que fundamenta alguns de seus argumentos não são de trânsito cotidiano.
Mas a assimetria não intimida os debatedores. Pois eles falam do que sabem e do que sabem porque vivem.
Antecedendo a discussão, uma breve autobiografia de cada debatedor sabiamente detém-se nos aspectos cotidianos de suas vidas. Com isso, o leitor nem se assusta nem se sente excluído da roda da conversa.
A orfandade de Marcelo Gleiser, seu interesse por vampiros, a força da vivência familiar de frei Betto, suas indecisões vocacionais, por exemplo, trazem para suas vozes o peso de experiências compartilháveis.
Mas, figura das mais complexas e misteriosas, parece que o leitor também aprecia diferenças entre si e os seres cujas vozes ouvem nos livros.
Eles talvez não tenham tido a experiência carcerária de Betto, nem a vivência internacional de Marcelo. E é talvez isso que torna as vozes lidas mais ricas.
É nessa dialética que o leitor se encanta e reconstrói em si a alteridade que pode ser experimentada vertiginosamente pelo leitor, que entra na conversa e a traz para dentro de sua vida. Sai, assim, mais humanizado, como se imerso num profundo sentimento de pertencer.

MARISA LAJOLO é professora de literatura da Unicamp e da Universidade Mackenzie.

CONVERSA SOBRE A FÉ E A CIÊNCIA

AUTOR Frei Betto, Marcelo Gleiser e Waldemar Falcão
EDITORA Agir
QUANTO R$ 44,90 (336 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


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