São Paulo, domingo, 11 de julho de 2004

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CRÍTICA

Romantismo e ingenuidade ao cair da tarde

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Ainda não está devidamente explicada a origem do fôlego de audiência que tiveram as novelas da Globo nos últimos tempos, mas é curioso notar que isso aconteceu paralelamente à retomada de certos cânones. A idéia de uma grade de novelas cujas temáticas e abordagens vão se "apimentando" na medida em que a noite avança é uma delas.
Quando essa grade se estabeleceu, nos anos 70, acompanhava um pouco o estágio de liberação dos costumes, como se a TV estivesse testando os limites daquilo que ousava em termos de comportamento, e oferecia uma certa gradação das ousadias. Hoje, a grade não tem mais essa função de ir alargando os limites do espectador, mas ainda assim serve para criar nichos de temas e de atmosferas, o que certamente atrai ou repele determinados grupos do público.
O último trio de novelas, "Cabocla", "Da Cor do Pecado" e "Celebridade", manteve bastante fiel a divisão temática. Enquanto "Celebridade" movia-se à base de sexo, sangue e simpatia pelo demônio, a novela da sete, "Da Cor do Pecado", é toda ensolarada, jovem e algo cômica, ainda que tenha ali uns vilões bem nefastos e uma certa violência.
"Chocolate com Pimenta" e sua sucessora, "Cabocla", ambas às seis e ambas muito bem-sucedidas de audiência, seguiram na trilha da novela de ares juvenis e perdidas em algum ponto do passado.
São novelas que tiram sua força do fato de tentarem resgatar uma certa ingenuidade nas relações amorosas. Independentemente da trama, a heroína, via de regra, inicia a novela ainda virgem. O herói ainda tem algo de garoto e, muitas vezes, tem que se haver com o pai -dominador ou ausente. É um espaço de elaboração de questões adolescentes, mas não exatamente uma novela para adolescentes.
Na verdade, recolocadas numa perspectiva romantizada e idealizada, tais questões deixam de ser dos adolescentes e viram da adolescência e, portanto, de todos os que a viveram. Talvez seja esse o grande acerto do horário, fazer novelas de alguma maneira evocativas, não apenas de outros tempos e espaços, mas de períodos da vida do espectador.
Ainda assim, não deixa de ser curioso o fato de que, via de regra, romantismo e ingenuidade não cabem em ambientes urbanos e contemporâneos. A fórmula prevê ambiente rurais ou provincianos e uma certa distância no tempo. A última novela das seis que se pretendia romântica e ingênua nos dias de hoje, "Coração de Estudante", sofreu uma daquelas intervenções brutais e acabou se transformando numa mixórdia esquisitíssima.
"Chocolate com Pimenta" retomou o formato tradicional, escalou atores do primeiro time e bingo! Agora, "Cabocla" mantém a fórmula da trama anterior e continua se dando bem. É uma novela bonitinha e doce, com questões pequenas e horizontes grandes.

@: biabramo.tv@uol.com.br

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