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RODAPÉ LITERÁRIO
Colagem antiamnésia
"Espelho Diário" é "making of" da instalação multimídia protagonizada por Rosângela Rennó
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MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
"ESPELHO DIÁRIO" é a versão
em livro de uma instalação multimídia da artista
plástica e fotógrafa Rosângela Rennó e da escritora Alícia Duarte Penna. O título faz referência ao diário
sensacionalista inglês "Daily Mirror" e a matéria-prima é semelhante: dramas cotidianos colhidos em
jornais brasileiros.
Na exposição, que percorreu Nova
York, Paris e Lisboa, essas histórias
eram recontadas em vídeo, com os
monólogos de Alícia interpretados
por Rosângela. No livro, os textos estão agrupados dois a dois, em páginas espelhadas, seguidos de "stills"
(imagens congeladas de vídeo) que
recompõem a sequência original.
A mãe de um menino assassinado
no dia do aniversário de um ano;
uma colunável na piscina ("Eu dentro de meu Christian Dior!"); a funcionária de fast-food ("O corpo está
emprestado para eles"); uma sequestrada em seu cativeiro; a golpista que fuma um cigarro no banco
da praça. Ao todo são 133 monólogos de
mulheres que às vezes parecem se
repetir ou surgem nos mesmos trajes e locações de outras -como a indicar um destino comum.
Com um detalhe fundamental:
nessa colagem de enredos, Rosângela interpreta outras Rosângelas, ou
seja, episódios vividos por homônimas da artista.
Esse dado, exterior ao material exposto, faz parte de um dispositivo
recorrente na arte conceitual: importa menos o efeito estético do objeto em si do que o procedimento
que o determina.
Podemos ler e ver "Espelho Diário" como instantâneo de uma realidade na qual as identidades se tornam intercambiáveis no roldão da
violência urbana ou da solidão narcisista, sendo resgatadas pelo olhar
das artistas como "uma espécie de
ação antiamnésia" -na definição de
Rosângela em entrevista de outro
contexto, sobre seu trabalho com retratos de presidiários e fotografias
descartadas de álbuns de família.
Mas também é possível conectar
esse livro-instalação à tendência
contemporânea de transformar o
próprio corpo em suporte -como
ocorre nos trabalhos de Cindy Sherman, Nan Goldin, Orlan ou Sophie
Calle (que recentemente esteve na
Flip e lançou o "diário" fotográfico
"Histórias Reais").
A diferença é que "Espelho Diário" inverte o sentido desse voyeurismo que opera no limite do abjeto
e do grotesco: mesmo nos momentos de ironia e humor, Rosângela se
despersonaliza, chega a dar voz a
Rosângelas de além-túmulo, acolhendo generosamente existências
melancólicas, resumidas na fala de
uma das mulheres: "O mundo acaba
aqui, no corpo da gente".
ESPELHO DIÁRIO
Autoras: Alícia Duarte Penna e Rosângela Rennó
Editora: Imprensa Oficial/ Edusp/Editora UFMG
Quanto: R$ 80 (480 págs.)
Avaliação: ótimo
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