São Paulo, sábado, 11 de julho de 1998

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Bienal abre as portas para o porteiro nordestino entrar


Videoinstalação da dupla Walter Riedweg e Maurício Dias, selecionada para o evento, quer discutir memória, identidade e conflitos dos migrantes com arquitetura e sociedade


CELSO FIORAVANTE
da Reportagem Local


Eles se chamam Raimundos, Severinos e Franciscos, mas poderiam se chamar Antonios, Pedros e Josés. Realmente, "não falta nome para o nordestino", como bem afirma José Francisco de Oliveira, 26, sete anos em São Paulo.
José ou Francisco ou Dedé, como costuma ser chamado, é nordestino. Veio de Vera Cruz, no Rio Grande do Norte, e hoje é porteiro, um dos milhares que povoam São Paulo e um dos 30 que participam de "Os Raimundos, os Severinos e os Franciscos", projeto de videoinstalação de Maurício Dias e Walter Riedweg com porteiros que levam esses nomes.
Os dois artistas estão na lista de artistas brasileiros selecionados para a 24ª Bienal que a Folha adiantou, com exclusividade, no dia 6 de junho e que "inspirou" a concorrência a publicar lista semelhante neste mês. A lista, aliás, não pára de crescer. Hoje a Folha revela, também com exclusividade, a inclusão de Daniel Senise e suas duas telas.
Dias e Riedweg pretendem com "Os Raimundos, os Severinos e os Franciscos" analisar o processo de formação da identidade desses nordestinos e os conflitos que desenvolvem com a arquitetura do prédio, com seus moradores e com a cidade.
Eles querem colocar a ética na estética, o poético no político. Fazem uma arte pública.
"Não acredito em arte contemporânea desvinculada da ética. A palavra "arte' só se aplica quando existe uma relação entre o espectador e o objeto, que gere uma experiência. A arte é um problema de percepção, não de produção", disse Maurício Dias.
O trabalho será composto por um vídeo de 20 minutos em que os porteiros contam seu processo de migração, aspirações e perspectivas no novo contexto.
Dias e Riedweg refazem o trajeto que os tirou da amplidão do sertão e os levou para o aperto do pau-de-arara, do trem de subúrbio e do quarto nos fundos do condomínio. Tratam a cultura e a memória como formas de resistência, de percepção do outro.
"O fato de os prédios serem mais luxuosos ou menos gera diferenças nos uniformes, na maneira de falar dos empregados, mas não nas acomodações dos funcionários. É até possível perceber determinadas perversidades da arquitetura burguesa, como o cano do ladrão que inunda o banheiro do empregado e não uma área de serviço do prédio", disse Dias.
No final do vídeo, uma cena, gravada em um cenário na Bienal no último fim-de-semana, vai reunir os porteiros em um ambiente que reproduz uma sala. A instalação contará ainda com interfones em que se ouvirá histórias dos porteiros e dos moradores.
"Não queremos passar informações, mas impulsos. É esse momento de ajuste da visão que nos interessa, esse movimento necessário para que se veja o que acontece ao lado", disse Riedweg.



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