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LIVRO - LANÇAMENTO
Textos de Hitchcock contêm lição de cinema
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
Hitchcock sabia se mostrar e se
esconder ao mesmo tempo. Criou
uma imagem pública -a do gordo bonachão e bem-humorado
que adorava produzir medo em
cada espectador- que acabou por
torná-lo o mais cineasta de todos
os tempos.
Soube associar essa imagem a
um tipo de cinema comercial -o
suspense- que lhe rendeu milhões, cuja profundidade passou
quase despercebida dos especialistas até os anos 50.
Por isso mesmo, podia-se temer
que a reunião de seus escritos,
promovida por Sidney Gottlieb,
fosse apenas uma extensão da arte
do despiste, que Hitchcock sabia
praticar tão bem.
"Hitchcock por Hitchcock", o
volume que a Imago publica agora
no Brasil desmonta esse preconceito. Desmonta também a idéia
de que tudo de importante a dizer
sobre o mestre do suspense já fora
dito nos vários estudos críticos
publicados a seu respeito, na biografia de Donald Spoto ou na longa entrevista concedida a François
Truffaut (o célebre "Hitchcock/Truffaut", editado pela Brasiliense).
A principal vantagem do trabalho de Gottlieb foi buscar os artigos escritos na Inglaterra -de onde Hitchcock saiu em 1939, com
destino a Hollywood. Menos consagrado internacionalmente, o diretor britânico toca em vários aspectos da produção de um filme
-da gênese do roteiro à montagem e ao lançamento- e aprofunda as lições de cinema que deu
na entrevista a Truffaut.
Se "Hitchcock/Truffaut" dissecava antes de tudo a mise-en-scène -o trabalho específico do autor de filmes-, em "Hitchcock
por Hitchcock", ele detém-se em
temas tão variados quanto a relação com os produtores, a direção
de atores ou a influência de Alma,
sua mulher, no resultado final dos
filmes.
Os textos variam de um sisudo (e
precioso) verbete da Britânica até
um descompromissado "Discurso após o Jantar da Scrren Producers Guild", uma peça de humor
impecável.
Ao longo do calhamaço de 368
páginas, o leitor notará inúmeras
repetições, retomadas de exemplos ou argumentos. É um problema irrelevante, até porque essas
repetições atestam a importância
que Hitchcock dava a certos assuntos -como a cena do assassinato do marido, em "Sabotagem" (1936), provavelmente a sequência de que mais se orgulhava
até o assassinato de Janet Leigh em
"Psicose" (1960).
Outros momentos são reveladores, como quando expõe um conhecimento profundo da evolução
de sua arte (como, por exemplo,
ao discorrer sobre a montagem
entre os russos ou ao comparar a
perseguição tal como concebida
por Griffith e por ele próprio.
Algumas mudanças podem ser
observadas em sua trajetória. Assim, na Inglaterra ele lembrará
mais de uma vez que, no cinema,
"somos controlados pelo apelo
popular". Uma espécie de lamento quanto à natureza de sua arte
que o leva, por exemplo, a contar
o final que realmente gostaria de
ter usado em "Chantagem e Confissão", seu primeiro filme sonoro, bem diferente (e mais interessante) do "happy end" que acabou filmando.
Nos EUA, esse tipo de consideração desaparece, dando lugar a
um Hitchcock conformado (mas
não infeliz) com as limitações que
a fama de mestre do suspense acabaram por lhe impor.
Por várias razões, Hitchcock é,
ainda hoje, o cineasta que mais ensinou cinema a qualquer cinéfilo.
Não se interessava, ou fingia não
se interessar, por outra coisa que
não a forma. Por isso mesmo, seus
comentários sobre o sentido de
seus filmes aqui é quase inexistente. Em troca, são raros os cineastas
que se dispõem a partilhar com o
espectador suas experiências de
forma tão generosa e, por vezes,
detalhada.
Se acrescentarmos a isso que
Hitchcock é um dos cineastas que
mais filmes têm editados em vídeo, a lição fica completa: basta
comparar os textos às imagens
preciosas para o espectador curioso perceber que por trás do entretenimento escondem-se um homem complexo e um legado artístico que está entre os mais ricos
deste século.
Livro: Hitchcock por Hitchcock
Organizador: Sidney Gottlieb
Lançamento: Imago
Quanto: R$ 35 (368 págs.)
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