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RESENHA
Relançamento de "Ronda de Fogo' resgata os
belos "causos' e contos urbanos de Cacy Cordovil
BERNARDO AJZENBERG
Secretário de Redação
O relançamento de
"Ronda de
Fogo", de
Cacy Cordovil, é mais do
que um resgate histórico
oportuno e merecido.
É também um evento que ilustra com nitidez a idéia de que a
literatura não evolui em linha,
mas em círculos. Nada fica para
trás. Ou faz parte ou não faz parte dela.
Publicado originalmente em
1941, à véspera da autora completar 30 anos, pela prestigiosa
editora José Olympio, obteve
boa repercussão.
Álvaro Lins, um dos maiores
críticos que o país já teve, reconheceu nele um "estilo singular" e admitiu ter tido à sua leitura uma "impressão profunda". Sérgio Milliet, outro nome
de peso, viu na obra "firmeza de
construção", "astúcia psicológica", "indiscutível talento literário". Monteiro Lobato notou-lhe a "enfibratura dos que
são escritores natos".
Essas referências já seriam suficientes para justificar a reedição da coletânea 57 anos depois.
Mas ela não vale apenas por isso.
Os contos de Cacy se dividem
em dois grupos. Quatro são urbanos; os demais, "causos" do
interior do país.
Neste segundo grupo, surgem
histórias de rendeiras, tropeiros,
caçadores, coronéis; intrigas
amorosas, batismos de fogo,
confrontos com a natureza ou
com entidades imateriais da mata. Não há estereótipos, porém.
Os personagens são únicos, de
vida própria, sofrem de modo
autoral, por assim dizer.
Mas é nos contos urbanos que
a atualidade do livro se faz mais
forte. Em "Amor", um casal se
reencontra por acaso, numa esquina qualquer, depois de dez
anos de separação.
A autora diz: "Laura continuava a olhá-lo, sem estremecimento, sem mágoa. Tudo que
lhe dissesse ela já havia sofrido.
Tudo que lhe contasse, já pressentira, no silêncio da solidão
em que sempre o seguia, vigilante, como se continuasse dentro
da sua vida, como se vivessem a
dois".
"Conflito", outro exemplo, é
uma história cujo personagem
principal, Marilda, tem desde o
nascimento o sexo ambíguo, "a
ser pesquisado".
Em Cacy, o "estilo singular" é
marcado pela agilidade das frases curtas, dos diálogos de alvo
certeiro, pinceladas de paisagens
simples, mas contundentes. Traços bastante ousados, diga-se,
para a época.
Vale destacar: Cacy, 86, começou a escrever para um suplemento literário aos 14 anos, publicou o primeiro livro ("A Raça") aos 20; depois de se aposentar como funcionária do Banco
do Brasil, ainda se formou em
História na USP aos 70 anos.
Como se não bastasse, carrega
na biografia o fato de ter sido a
primeira namorada de Vinícius
de Moraes no Rio ("O Poeta da
Paixão", de José Castello, dedica
parágrafos ao caso). Trata-se de
uma personagem literária que
precisava ser, realmente, no mínimo, resgatada.
Livro: Ronda de Fogo
Autora: Cacy Cordovil
Lançamento: Musa Editora
Quanto: R$ 25 (208 págs.)
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