São Paulo, sábado, 11 de julho de 1998

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RESENHA
Relançamento de "Ronda de Fogo' resgata os belos "causos' e contos urbanos de Cacy Cordovil

BERNARDO AJZENBERG
Secretário de Redação


O relançamento de "Ronda de Fogo", de Cacy Cordovil, é mais do que um resgate histórico oportuno e merecido.
É também um evento que ilustra com nitidez a idéia de que a literatura não evolui em linha, mas em círculos. Nada fica para trás. Ou faz parte ou não faz parte dela.
Publicado originalmente em 1941, à véspera da autora completar 30 anos, pela prestigiosa editora José Olympio, obteve boa repercussão.
Álvaro Lins, um dos maiores críticos que o país já teve, reconheceu nele um "estilo singular" e admitiu ter tido à sua leitura uma "impressão profunda". Sérgio Milliet, outro nome de peso, viu na obra "firmeza de construção", "astúcia psicológica", "indiscutível talento literário". Monteiro Lobato notou-lhe a "enfibratura dos que são escritores natos".
Essas referências já seriam suficientes para justificar a reedição da coletânea 57 anos depois. Mas ela não vale apenas por isso.
Os contos de Cacy se dividem em dois grupos. Quatro são urbanos; os demais, "causos" do interior do país.
Neste segundo grupo, surgem histórias de rendeiras, tropeiros, caçadores, coronéis; intrigas amorosas, batismos de fogo, confrontos com a natureza ou com entidades imateriais da mata. Não há estereótipos, porém. Os personagens são únicos, de vida própria, sofrem de modo autoral, por assim dizer.
Mas é nos contos urbanos que a atualidade do livro se faz mais forte. Em "Amor", um casal se reencontra por acaso, numa esquina qualquer, depois de dez anos de separação.
A autora diz: "Laura continuava a olhá-lo, sem estremecimento, sem mágoa. Tudo que lhe dissesse ela já havia sofrido. Tudo que lhe contasse, já pressentira, no silêncio da solidão em que sempre o seguia, vigilante, como se continuasse dentro da sua vida, como se vivessem a dois".
"Conflito", outro exemplo, é uma história cujo personagem principal, Marilda, tem desde o nascimento o sexo ambíguo, "a ser pesquisado".
Em Cacy, o "estilo singular" é marcado pela agilidade das frases curtas, dos diálogos de alvo certeiro, pinceladas de paisagens simples, mas contundentes. Traços bastante ousados, diga-se, para a época.
Vale destacar: Cacy, 86, começou a escrever para um suplemento literário aos 14 anos, publicou o primeiro livro ("A Raça") aos 20; depois de se aposentar como funcionária do Banco do Brasil, ainda se formou em História na USP aos 70 anos.
Como se não bastasse, carrega na biografia o fato de ter sido a primeira namorada de Vinícius de Moraes no Rio ("O Poeta da Paixão", de José Castello, dedica parágrafos ao caso). Trata-se de uma personagem literária que precisava ser, realmente, no mínimo, resgatada.


Livro: Ronda de Fogo Autora: Cacy Cordovil Lançamento: Musa Editora
Quanto: R$ 25 (208 págs.)





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