|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"HOMENS E CARANGUEJOS"
Josué de Castro mostra o paradoxo mais gritante e obsceno do país
ESPECIAL PARA A FOLHA
Não há entre nós assunto
mais baixo astral do que a
fome. A miséria da fome. É o paradoxo mais gritante e mais obsceno da civilização brasileira.
Somos o país do alimento, mas
a maioria da população não tem o
que comer. Resulta daí a nossa
tragédia existencial e política, inclusive estética, porque a existência da fome é o fenômeno mais irracional da nossa sociedade.
Médico, marxista, terceiro-mundista, filiado ao PTB vargojanguista, perseguido pelo golpe
de 64, Josué de Castro nasceu no
Recife, "Hong Kong da América
com sua miséria acumulada", escreve neste livro memorialístico e
romanceado sobre a promiscuidade dos homens e caranguejos
passando fome na lama dos mangues: um engolindo o outro.
Parafraseando a linguagem dos
sociólogos e economistas, Castro
fala em "ciclo do caranguejo" ou
em "sociedade dos caranguejos".
Mocambos. Polis dos mocambos.
Vindo de família abastada, o
Engels de Pernambuco, que em
1935 escreveu "As Condições de
Vida das Classes Operárias do Recife", conceitua a fome pelo ângulo da qualidade, ou seja: a carência
dos alimentos indispensáveis ao
equilíbrio da saúde. Não é a falta
de alimento que leva o indivíduo à
morte. Nesse sentido a totalidade
da sociedade no Brasil é marcada
pela condição esfomeada.
Foi nos mangues do rio Capibaribe que Castro tomou consciência do drama da fome, que é uma
praga criada pelos homens e cujas
raízes encontram-se no processo
da colonização, de modo que o
colonialismo é que engendra o fenômeno da fome: latifúndio, monocultura e mercado externo.
A forte impregnação visual e
aderência à geografia tem a sua
explicação biográfica nesta narrativa dos anos de infância de Castro: "Foi o rio o meu primeiro
professor de história do Nordeste,
da história desta terra quase sem
história. A verdade é que a história dos homens do Nordeste me
entrou muito mais pelos olhos do
que pelos ouvidos".
O autor sublinha que compreendeu a angústia da fome, não
na Sorbonne parisiense, mas nos
mangues e bairros inóspitos do
Recife. Pobres coitados alimentados com caranguejo e farinha de
mandioca. Mais nada.
Nesse livro aparece a grande
loucura da sociedade brasileira,
loucura que nos persegue ainda
hoje: um povo faminto que não
sabe de onde vem a fome e quer
ocultá-la ou senão disfarçá-la. E
mais: os alimentados não entendem os famintos e vice-versa. E
mais: o chamado público letrado
não aprecia os intelectuais e artistas que denunciam a irracionalidade da fome popular brasileira.
(GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS)
Homens e Caranguejos
Autor: Josué de Castro
Editora: Civilização Brasileira, 2001
Quanto: R$ 19 (188 págs.)
Texto Anterior: "O candomblé da Bahia": O professor xangô baixa de novo por aqui Próximo Texto: "A magia": Pierucci dosa teoria e prática em "enciclopédia de bolso" Índice
|