|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Política em quadrinhos
Divulgação
|
Ilustração de "In the Shadow of No Towers", do desenhista Art Spiegelman |
Em nova obra, Art Spiegelman desenha o 11/9 e suas conseqüências e critica guerra do Iraque
DO "NEW YORK TIMES"
Ao contrário da maioria dos
cartunistas, Art Spiegelman, 56,
tende a se concentrar nos traumas
da história contemporânea e em
seu impacto sobre a vida pessoal.
As histórias em quadrinhos de
Spiegelman sobre a maneira pela
qual seus pais, judeus poloneses,
sobreviveram à Segunda Guerra
Mundial, "Maus 1" e "Maus 2",
venderam 1,8 milhão de cópias
nos Estados Unidos, de acordo
com a editora Pantheon Books.
No mês que vem, a Pantheon
lançará "In the Shadow of No Towers" [À Sombra de Torre Nenhuma], a resposta artística de
Art Spiegelman aos ataques de 11
de setembro de 2001 e expressão
de sua profunda oposição à guerra no Iraque. O novo trabalho deve chegar ao Brasil em setembro,
pela Companhia das Letras.
O cartunista concedeu uma entrevista em seu estúdio em Manhattan, e acrescentou respostas
por telefone e e-mail. Segue uma
versão editada desse diálogo.
Pergunta - No seu novo livro, o
senhor escolheu se retratar como
um paranóico barrigudo, fumando
ininterruptamente e vestido como
um animador de torcida. Por que?
Art Spiegelman - Quando uma
pessoa lida com o desprezo para
consigo mesma em forma autobiográfica, tende a projetar os desanimadores resultados desse
desprezo, se for honesta. E, se for
mais que simplesmente honesta,
ela poderá projetar também seu
desprezo pela situação em que se
viu lançada. O que estou fazendo
é totalmente consciente.
Pergunta - O que o senhor estava
fazendo naquela manhã?
Spiegelman - Minha mulher e eu
acabávamos de entrar em casa
quando vi o primeiro avião se
chocar contra a torre, uns dez
quarteirões ao sul de onde estávamos. Corremos à procura de nossa filha, Nadja, e a tiramos de dentro do colégio pouco antes que a
torre norte desabasse, por trás de
nós. Depois, abrimos caminho até
a escola da ONU para levar Dash,
nosso filho de 10 anos. Eu estava
determinado a sobreviver ao desastre não importa o que custasse,
desde que pudéssemos nos manter unidos como família.
Pergunta - Naquela manhã, qual
foi sua maior surpresa?
Spiegelman - A enorme vulnerabilidade de Nova York, e, por extensão, de qualquer cidade do
Ocidente. Eu sempre achei que a
minha cidade, e aquelas torres tão
familiares e tão arrogantes, fossem intocáveis. E depois o governo reduz um acontecimento dessas proporções a um simples cartaz de recrutamento militar.
Pe rgunta - O senhor jamais se
considerou um cartunista político,
mas seu novo livro é um trabalho
muito político. O que mudou?
Spiegelman - Esse personagem
-eu- se abalou profundamente. Penso como um americano típico, que se deixa narcotizar pela
mídia de massa. Para mim, a política foi sempre guardada em uma
caixa estranha, vista como uma
espécie de "beisebol para nerds".
Mas, depois do 11/9, essa bolha estourou. Foi isso que me arrastou a
fazer uma coisa que sempre desejei evitar: caricaturar presidentes
para ganhar a vida. Nada envelhece mais rápido.
Pergunta - O senhor assistiu a
"Fahrenheit 11 de Setembro", que
percorre o mesmo território que o
seu livro?
Sp iegelman - Assisti ao filme,
sim. Admito a habilidade de Michael Mo ore de apresentar argumentos de forma compreensível.
Eu não fui tão paciente. O recurso
permitiu que ele expressasse de
maneira mais clara que eu a luta
de classes dessa situação, e que explicasse melhor às pessoas porque
estão agindo contra seus próprios
interesses.
Pergunta - "Maus" era a história
de Art Spiegelman e seu pai, Vladek, sobrevivente de Auschwitz que
continua a sobreviver, à sua maneira, no Queens. O senhor se transformou em Vladek, depois do 11/9?
Spiegelman - De forma alguma
comparo a escala do que me
aconteceu com aquilo que aconteceu aos meus pais. Mas, evidentemente, lá estava eu, na mesma
interseção entre história pessoal e
história mundial, e por isso compreendo a pergunta.
Pergunta - O terço final do livro
reproduz cartuns de jornais, a maior
parte dos quais do começo do século 20. Os leitores não ficarão curiosos para saber o que eles fazem lá?
Spiegelman - Bem, esse é exatamente o ponto do meu livro. Depois do 11/9, enquanto eu vivia
um presente que não parecia ter
futuro, os quadrinhos se tornaram peça central da minha vida.
Para mim, foi reconfortante lembrar que os quadrinhos não foram feitos para durar. Encontrava
consolo em "Krazy Kat", uma tira
de George Herriman. Via heroísmo em ser capaz de viver no presente, e manter a leveza.
Pergunta - Como o senhor se sente por ter desenvolvido o gênero
"grandes traumas humanos"?
Spiegelman - Traumatizado. Até
agora foram realidades penosas e
extremamente difíceis de compreender que me empurraram na
direção da prancheta. Espero que
meu próximo trabalho possa ser
uma divertida farsa erótica sobre
os hábitos da classe média alta.
Tradução de Paulo Migliacci
Texto Anterior: Programação Próximo Texto: Mônica Bergamo Índice
|