São Paulo, quarta-feira, 11 de agosto de 2004

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Política em quadrinhos

Divulgação
Ilustração de "In the Shadow of No Towers", do desenhista Art Spiegelman


Em nova obra, Art Spiegelman desenha o 11/9 e suas conseqüências e critica guerra do Iraque

DO "NEW YORK TIMES"

Ao contrário da maioria dos cartunistas, Art Spiegelman, 56, tende a se concentrar nos traumas da história contemporânea e em seu impacto sobre a vida pessoal.
As histórias em quadrinhos de Spiegelman sobre a maneira pela qual seus pais, judeus poloneses, sobreviveram à Segunda Guerra Mundial, "Maus 1" e "Maus 2", venderam 1,8 milhão de cópias nos Estados Unidos, de acordo com a editora Pantheon Books.
No mês que vem, a Pantheon lançará "In the Shadow of No Towers" [À Sombra de Torre Nenhuma], a resposta artística de Art Spiegelman aos ataques de 11 de setembro de 2001 e expressão de sua profunda oposição à guerra no Iraque. O novo trabalho deve chegar ao Brasil em setembro, pela Companhia das Letras.
O cartunista concedeu uma entrevista em seu estúdio em Manhattan, e acrescentou respostas por telefone e e-mail. Segue uma versão editada desse diálogo.
 

Pergunta - No seu novo livro, o senhor escolheu se retratar como um paranóico barrigudo, fumando ininterruptamente e vestido como um animador de torcida. Por que?
Art Spiegelman -
Quando uma pessoa lida com o desprezo para consigo mesma em forma autobiográfica, tende a projetar os desanimadores resultados desse desprezo, se for honesta. E, se for mais que simplesmente honesta, ela poderá projetar também seu desprezo pela situação em que se viu lançada. O que estou fazendo é totalmente consciente.

Pergunta - O que o senhor estava fazendo naquela manhã?
Spiegelman -
Minha mulher e eu acabávamos de entrar em casa quando vi o primeiro avião se chocar contra a torre, uns dez quarteirões ao sul de onde estávamos. Corremos à procura de nossa filha, Nadja, e a tiramos de dentro do colégio pouco antes que a torre norte desabasse, por trás de nós. Depois, abrimos caminho até a escola da ONU para levar Dash, nosso filho de 10 anos. Eu estava determinado a sobreviver ao desastre não importa o que custasse, desde que pudéssemos nos manter unidos como família.

Pergunta - Naquela manhã, qual foi sua maior surpresa?
Spiegelman -
A enorme vulnerabilidade de Nova York, e, por extensão, de qualquer cidade do Ocidente. Eu sempre achei que a minha cidade, e aquelas torres tão familiares e tão arrogantes, fossem intocáveis. E depois o governo reduz um acontecimento dessas proporções a um simples cartaz de recrutamento militar.

Pe rgunta - O senhor jamais se considerou um cartunista político, mas seu novo livro é um trabalho muito político. O que mudou?
Spiegelman -
Esse personagem -eu- se abalou profundamente. Penso como um americano típico, que se deixa narcotizar pela mídia de massa. Para mim, a política foi sempre guardada em uma caixa estranha, vista como uma espécie de "beisebol para nerds". Mas, depois do 11/9, essa bolha estourou. Foi isso que me arrastou a fazer uma coisa que sempre desejei evitar: caricaturar presidentes para ganhar a vida. Nada envelhece mais rápido.

Pergunta - O senhor assistiu a "Fahrenheit 11 de Setembro", que percorre o mesmo território que o seu livro?
Sp iegelman -
Assisti ao filme, sim. Admito a habilidade de Michael Mo ore de apresentar argumentos de forma compreensível. Eu não fui tão paciente. O recurso permitiu que ele expressasse de maneira mais clara que eu a luta de classes dessa situação, e que explicasse melhor às pessoas porque estão agindo contra seus próprios interesses.

Pergunta - "Maus" era a história de Art Spiegelman e seu pai, Vladek, sobrevivente de Auschwitz que continua a sobreviver, à sua maneira, no Queens. O senhor se transformou em Vladek, depois do 11/9?
Spiegelman -
De forma alguma comparo a escala do que me aconteceu com aquilo que aconteceu aos meus pais. Mas, evidentemente, lá estava eu, na mesma interseção entre história pessoal e história mundial, e por isso compreendo a pergunta.

Pergunta - O terço final do livro reproduz cartuns de jornais, a maior parte dos quais do começo do século 20. Os leitores não ficarão curiosos para saber o que eles fazem lá?
Spiegelman -
Bem, esse é exatamente o ponto do meu livro. Depois do 11/9, enquanto eu vivia um presente que não parecia ter futuro, os quadrinhos se tornaram peça central da minha vida. Para mim, foi reconfortante lembrar que os quadrinhos não foram feitos para durar. Encontrava consolo em "Krazy Kat", uma tira de George Herriman. Via heroísmo em ser capaz de viver no presente, e manter a leveza.

Pergunta - Como o senhor se sente por ter desenvolvido o gênero "grandes traumas humanos"?
Spiegelman -
Traumatizado. Até agora foram realidades penosas e extremamente difíceis de compreender que me empurraram na direção da prancheta. Espero que meu próximo trabalho possa ser uma divertida farsa erótica sobre os hábitos da classe média alta.


Tradução de Paulo Migliacci


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