São Paulo, quarta-feira, 11 de agosto de 2004

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LITERATURA

Em novo livro, escritor conta a história de um sexagenário que é transplantado para o organismo de um jovem

Kureishi desvela o corpo em fábula de horror

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

O escritor inglês Hanif Kureishi, 50, tem múltiplos talentos. Cria roteiros ("Minha Adorável Lavanderia"), traduz peças ("Mãe Coragem"), escreve ensaios, contos, romances. Diz gostar de conduzir vários projetos ao mesmo tempo.
O filme "The Mother" (A Mãe), baseado em roteiro seu, recentemente estreou nos EUA. Seu novo livro, "My Year at His Heart" (Meu Ano em Seu Coração), sai na Inglaterra em 1º de outubro.
Kureishi abandona o registro mais realista de "O Buda do Subúrbio" para escrever uma fábula de horror no recém-lançado "O Corpo e Outras Histórias". Na novela que dá título ao livro, um dramaturgo sexagenário é transplantado para o corpo de um belo modelo. Claro que a entrevista, que Kureishi concedeu à Folha, de sua casa, em Londres, só poderia começar pelos corpos.
 

Folha - O que corpos belos e jovens têm que os corpos normais não têm?
Hanif Kureishi -
Eles supostamente têm a apreciação dos outros. Gostam de ser admirados, de ser adorados, de ser amados. Faz parte da idéia, que adquirimos na infância, de que, se formos mais jovens e bonitos, nossos pais nos amarão mais. É uma ilusão, como essas pessoas descobrirão no decorrer de sua jornada.

Folha - E o que lhes falta?
Kureishi -
Falta-lhes, acredito, a capacidade para amar outras pessoas, que é mais importante do que ser amado.

Folha - Nossa sociedade anda obcecada com os corpos?
Kureishi -
Creio que a mídia esteja obcecada, de duas maneiras interligadas. Uma é a questão do abuso sexual, a outra é a apreciação de corpos semi-adolescentes. Mas não sei se pessoas reais se preocupam tanto com isso. Pessoas gostam de outras pessoas e, muitas vezes, por causa de suas fraquezas, não pela beleza.

Folha - Uma parte interessante do seu livro trata do ajustamento da mente do herói ao novo corpo. O senhor acha que é a mente que comanda o corpo, ou o contrário?
Kureishi -
É o contrário. Desde pequenos, nosso comportamento é moldado pelos desejos e necessidades de nossos corpos e a resposta que este procura obter de outros corpos.

Folha - Muitas de suas histórias versam sobre as relações familiares. O filme "The Mother" mostra uma senhora de 70 anos que se torna amante do namorado trintão de sua filha. Não se trata, portanto, de relações fáceis.
Kureishi -
Não, sem dúvida. Interessa-me explorar as relações de uma família dentro da sociedade como um todo e, no núcleo familiar, os difíceis, muitas vezes carregados, relacionamentos entre cada membro da família.

Folha - O senhor pensou em "Mãe Coragem", de Brecht, para dar título ao filme?
Kureishi -
Sim, principalmente porque fiz uma versão da peça, estrelada por Judi Dench. Em Brecht, temos essa pobre mulher procurando sobreviver aos horrores da guerra. Em "A Mãe", há uma mulher que procura sobreviver emocionalmente em sua família, em que possivelmente está se afogando.

Folha - De que trata seu novo livro, "My Year at His Heart"?
Kureishi -
Foi uma oportunidade de retratar meu pai morto a partir dos livros que ele escreveu, mas que nunca foram publicados.

Folha - Como ele acompanhou o êxito do filho num terreno onde pretendia se sair bem?
Kureishi -
É muito duro quando o filho supera o pai. O sucesso era algo que meu pai queria para si, pois o merecia. Ele se sentia orgulhoso e furioso, o que, obviamente, causava complicações.

Folha - O senhor tem raízes asiáticas e é cidadão britânico. Como vê os recentes conflitos entre Ocidente e Oriente?
Kureishi -
Como a maioria de meus amigos, vejo com preocupação a escalada do poderio dos EUA. Muitos de nós nos sentimos aterrorizados por Bush e por seu imperialismo ensandecido.


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