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LITERATURA
Em novo livro, escritor conta a história de um sexagenário que é transplantado para o organismo de um jovem
Kureishi desvela o corpo em fábula de horror
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
O escritor inglês Hanif Kureishi,
50, tem múltiplos talentos. Cria
roteiros ("Minha Adorável Lavanderia"), traduz peças ("Mãe
Coragem"), escreve ensaios, contos, romances. Diz gostar de conduzir vários projetos ao mesmo
tempo.
O filme "The Mother" (A Mãe),
baseado em roteiro seu, recentemente estreou nos EUA. Seu novo
livro, "My Year at His Heart"
(Meu Ano em Seu Coração), sai
na Inglaterra em 1º de outubro.
Kureishi abandona o registro
mais realista de "O Buda do Subúrbio" para escrever uma fábula
de horror no recém-lançado "O
Corpo e Outras Histórias". Na novela que dá título ao livro, um dramaturgo sexagenário é transplantado para o corpo de um belo modelo. Claro que a entrevista, que
Kureishi concedeu à Folha, de sua
casa, em Londres, só poderia começar pelos corpos.
Folha - O que corpos belos e jovens têm que os corpos normais
não têm?
Hanif Kureishi - Eles supostamente têm a apreciação dos outros. Gostam de ser admirados, de
ser adorados, de ser amados. Faz
parte da idéia, que adquirimos na
infância, de que, se formos mais
jovens e bonitos, nossos pais nos
amarão mais. É uma ilusão, como
essas pessoas descobrirão no decorrer de sua jornada.
Folha - E o que lhes falta?
Kureishi - Falta-lhes, acredito, a
capacidade para amar outras pessoas, que é mais importante do
que ser amado.
Folha - Nossa sociedade anda obcecada com os corpos?
Kureishi - Creio que a mídia esteja obcecada, de duas maneiras interligadas. Uma é a questão do
abuso sexual, a outra é a apreciação de corpos semi-adolescentes.
Mas não sei se pessoas reais se
preocupam tanto com isso. Pessoas gostam de outras pessoas e,
muitas vezes, por causa de suas
fraquezas, não pela beleza.
Folha - Uma parte interessante
do seu livro trata do ajustamento
da mente do herói ao novo corpo. O
senhor acha que é a mente que comanda o corpo, ou o contrário?
Kureishi - É o contrário. Desde
pequenos, nosso comportamento
é moldado pelos desejos e necessidades de nossos corpos e a resposta que este procura obter de
outros corpos.
Folha - Muitas de suas histórias
versam sobre as relações familiares. O filme "The Mother" mostra
uma senhora de 70 anos que se torna amante do namorado trintão de
sua filha. Não se trata, portanto, de
relações fáceis.
Kureishi - Não, sem dúvida. Interessa-me explorar as relações de
uma família dentro da sociedade
como um todo e, no núcleo familiar, os difíceis, muitas vezes carregados, relacionamentos entre
cada membro da família.
Folha - O senhor pensou em "Mãe
Coragem", de Brecht, para dar título ao filme?
Kureishi - Sim, principalmente
porque fiz uma versão da peça, estrelada por Judi Dench. Em
Brecht, temos essa pobre mulher
procurando sobreviver aos horrores da guerra. Em "A Mãe", há
uma mulher que procura sobreviver emocionalmente em sua família, em que possivelmente está
se afogando.
Folha - De que trata seu novo livro, "My Year at His Heart"?
Kureishi - Foi uma oportunidade
de retratar meu pai morto a partir
dos livros que ele escreveu, mas
que nunca foram publicados.
Folha - Como ele acompanhou o
êxito do filho num terreno onde
pretendia se sair bem?
Kureishi - É muito duro quando
o filho supera o pai. O sucesso era
algo que meu pai queria para si,
pois o merecia. Ele se sentia orgulhoso e furioso, o que, obviamente, causava complicações.
Folha - O senhor tem raízes asiáticas e é cidadão britânico. Como vê
os recentes conflitos entre Ocidente e Oriente?
Kureishi - Como a maioria de
meus amigos, vejo com preocupação a escalada do poderio dos
EUA. Muitos de nós nos sentimos
aterrorizados por Bush e por seu
imperialismo ensandecido.
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