São Paulo, quarta-feira, 11 de agosto de 2004

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CRÍTICA

Conto investiga os limites do homem

DO CRÍTICO DA FOLHA

Quem não gostaria de ter o corpo de David Beckham? Ou de Gisele Bündchen? Sobretudo se o original já estiver, pela idade, falhando miseravelmente?
É essa a "tentação" oferecida ao sexagenário Adam, em "O Corpo". A idéia é que o cérebro já pode ser transplantado para corpos belos e jovens, mortos em circunstâncias misteriosas, mas, asseguram-lhe, não criminosas.
Adam, um bem-sucedido dramaturgo inglês que anseia pela liberdade que seu corpo lhe proporcionara décadas atrás, aceita a proposta, mas por uma temporada de seis meses. Ele vai a uma clínica clandestina, onde corpos são exibidos para venda como vestes num mostruário de loja.
Ele escolhe o corpo forte e bronzeado, com rosto de um "Alain Delon jovem", de (não sabe, a princípio) um modelo gay de Nova York. Nos meses seguintes, ele usa esse corpo para divertir-se em boates e praias da Europa. É admirado, amado. E odiado.
A beleza e a juventude são um véu a obliterar a realidade. Adam descobre que nem sempre é divertido ser belo. E o que parece um jogo inconseqüente (embora com intrigantes ilações metafísicas) termina como num pesadelo do qual não consegue despertar.
"O Corpo", como "Frankenstein" e "O Retrato de Dorian Gray" (citados na história), pertence à literatura fantástica. Como eles, investiga, com um fundo moral, os limites do homem -a velhice, a mortalidade, a identidade do ser. Diferentemente desses textos, sabe ser engraçado, e a história oferece tiradas hilariantes.
Além disso, com a popularização da técnica de reimplante de corpo, as conseqüências para a humanidade podem ser desorientadoras. Adam logo percebe que, como num episódio de "Além da Imaginação", muitos corpos desejáveis podem ocultar insuspeitados cérebros octogenários.
A coletânea de Kureishi tem resultado irregular, pois muitas histórias não alcançam a repercussão imaginativa da bastante alongada (152 páginas) "O Corpo". Exceção é "Careta", devastador retrato da vida noturna londrina, que envolve as pessoas em seu hedonismo ensandecido, baldando-lhes a real comunicação. Outro bom texto é "O Toque", em que o autor retoma a temática dos imigrantes indianos e paquistaneses de suas primeiras ficções.
(MARCELO PEN)


O Corpo e Outras Histórias
   
Autor: Hanif Kureishi
Tradutor: Sérgio Tellaroli
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 43,50 (304 págs.)



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