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CRÍTICA
Conto investiga os limites do homem
DO CRÍTICO DA FOLHA
Quem não gostaria de ter o
corpo de David Beckham?
Ou de Gisele Bündchen? Sobretudo se o original já estiver, pela idade, falhando miseravelmente?
É essa a "tentação" oferecida ao
sexagenário Adam, em "O Corpo". A idéia é que o cérebro já pode ser transplantado para corpos
belos e jovens, mortos em circunstâncias misteriosas, mas, asseguram-lhe, não criminosas.
Adam, um bem-sucedido dramaturgo inglês que anseia pela liberdade que seu corpo lhe proporcionara décadas atrás, aceita a
proposta, mas por uma temporada de seis meses. Ele vai a uma clínica clandestina, onde corpos são
exibidos para venda como vestes
num mostruário de loja.
Ele escolhe o corpo forte e bronzeado, com rosto de um "Alain
Delon jovem", de (não sabe, a
princípio) um modelo gay de Nova York. Nos meses seguintes, ele
usa esse corpo para divertir-se em
boates e praias da Europa. É admirado, amado. E odiado.
A beleza e a juventude são um
véu a obliterar a realidade. Adam
descobre que nem sempre é divertido ser belo. E o que parece
um jogo inconseqüente (embora
com intrigantes ilações metafísicas) termina como num pesadelo
do qual não consegue despertar.
"O Corpo", como "Frankenstein" e "O Retrato de Dorian
Gray" (citados na história), pertence à literatura fantástica. Como eles, investiga, com um fundo
moral, os limites do homem -a
velhice, a mortalidade, a identidade do ser. Diferentemente desses
textos, sabe ser engraçado, e a história oferece tiradas hilariantes.
Além disso, com a popularização da técnica de reimplante de
corpo, as conseqüências para a
humanidade podem ser desorientadoras. Adam logo percebe que,
como num episódio de "Além da
Imaginação", muitos corpos desejáveis podem ocultar insuspeitados cérebros octogenários.
A coletânea de Kureishi tem resultado irregular, pois muitas histórias não alcançam a repercussão imaginativa da bastante alongada (152 páginas) "O Corpo".
Exceção é "Careta", devastador
retrato da vida noturna londrina,
que envolve as pessoas em seu hedonismo ensandecido, baldando-lhes a real comunicação. Outro
bom texto é "O Toque", em que o
autor retoma a temática dos imigrantes indianos e paquistaneses
de suas primeiras ficções.
(MARCELO PEN)
O Corpo e Outras Histórias
Autor: Hanif Kureishi
Tradutor: Sérgio Tellaroli
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 43,50 (304 págs.)
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