São Paulo, sábado, 11 de agosto de 2007

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Crítica/cinema/"Primo Basílio"

Adaptação de Daniel Filho para "Primo" é mais próxima do universo rodriguiano

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Daniel Filho não nasceu na TV Globo, mas é difícil não associar o seu popular trabalho recente em cinema, como produtor e diretor ("A Dona da História", "Se Eu Fosse Você"), à tradição de teledramaturgia consagrada pela emissora. Para o bem e para o mal.
Para o bem, em "Primo Basílio": o cuidado com o acabamento técnico, por exemplo, em busca de equivalência no cinema ao "padrão Globo de qualidade" na TV, sobretudo o demonstrado em produções ficcionais de maior fôlego, como as minisséries de época (entre as quais a versão do romance de Eça de Queiroz que o próprio Daniel Filho dirigiu, em 1988).
A direção de arte de Marcos Flaksman, a fotografia de Nonato Estrela e os figurinos de Marília Carneiro respondem, em especial, pela recriação da São Paulo de 1958 - em substituição a Lisboa do século 19 - como um espaço imaginário que se funde com elementos portugueses e cariocas.
O uso de canções, de Tom Jobim ("Saudade do Brasil") à dor da poesia de Vinicius de Moraes em "Apelo", interpretada por Dick Farney e Claudette Soares, contribui para estabelecer um registro de melodrama associado a uma atmosfera de nostalgia, inocência e conservadorismo. Em torno dela, adultério, incesto e pecado.
Chama a atenção, nessa abordagem do tema, que a personagem mais forte, a empregada feita por Gloria Pires na fronteira entre o drama e o humor, esteja mais próxima do universo de Nelson Rodrigues, forte referência para a adaptação assinada por Daniel Filho e Euclydes Marinho, do que para a Juliana de Eça de Queiroz.
O escritor português talvez seja quem mais vá interferir na cobrança que "Primo Basílio" poderá receber, como se tivesse a obrigação de estar à altura do clássico do realismo na literatura, do qual empresta o nome e as coordenadas. Sua vida seria provavelmente mais fácil se ele se chamasse "A Madame e a Empregada" ou "Lágrimas de Adúltera".
Para o mal? A dependência do verbo, por exemplo: os diálogos cumprem, muitas vezes, o papel que caberia, em tratamento mais cinematográfico, à imagem e a tudo o que na trilha sonora não é palavra. Algumas seqüências parecem apressadas, com um ritmo de cortes que, funcional para os enquadramentos mais fechados da TV (e para a carreira do filme em DVD), limita o emprego da direção de fotografia como cinematografia.
Ao menos um personagem importante (o amigo de Jorge, Sebastião, interpretado por Guilherme Fontes) fica um tanto solto no ar, sugerindo que havia nele mais um pequeno drama a explorar nessa enclausurada leitura - parafraseando Vinicius, mas com a voz de Nelson Rodrigues - da tristeza que há nas preces de quem suplica o perdão do seu amor.


PRIMO BASÍLIO
Produção:
Brasil, 2007
Direção: Daniel Filho
Com: Débora Falabella, Fábio Assunção, Reynaldo Gianecchini, Gloria Pires
Onde: Bristol, Cine Bombril, Central Plaza e circuito
Avaliação: regular


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