São Paulo, sábado, 11 de agosto de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica/teatro/"A Metafísica do Amor"

Peça tem como ponto alto a atuação magistral de Marilena Ansaldi

SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Um longo banco de jardim sobre um gramado, emoldurado por um muro. Na extrema esquerda do banco, uma maçã esquecida acentua a impressão de um jardim do Éden na ascética elegância da Bauhaus. Solipsista, Santo Antão enfrenta as tentações da modernidade, armado com seus Schopenhauer, Arnaldo Jabor e Marcelo Rubens Paiva. A erudição sem concessões e a estética precisa dão a marca da Cia. Razões Inversas, que há 17 anos une o diretor Marcio Aurélio ao ator Paulo Marcello, entre outros, para espetáculos de longa gestação.
A peça "A Metafísica do Amor", em cartaz no teatro Sérgio Cardoso, por exemplo, estava sendo esboçada em 2001, por ocasião da primeira edição do Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto. Então, o eremita se abrigava em um quarto de hotel, e sua metafísica ia tecendo pontes quase incidentais com uma televisão ligada.
Agora já não mais performance, o espetáculo amadureceu muito. Santo Antão já não é mais um exilado urbano. Reencontrou seu paraíso solitário, no conforto da reflexão, e os visitantes inoportunos, que compõem a essência da excessiva peça de Gustave Flaubert, são apenas invasores do fluxo de consciência.
Evita, no entanto, o repouso do banco, como se fosse uma lápide. A modernidade o exaspera, mas o mantém em movimento. A minuciosa partitura de suas ações, cumprida por Marcello com sua habitual competência, vai se tornando uma coreografia árida, de ângulos retos, quase abstrata, como a daqueles seres que circulam por trás das janelas dos grandes conjuntos financeiros.
A opção pelo simbolismo, no entanto, faz com que nada possa se reduzir a uma referência anedótica.
Pode-se assistir ao espetáculo de duas formas: compartilhando o fio da meada do intelectual perdido em seu labirinto ou olhando-o de fora, como um exótico animal enjaulado, apreciando apenas as marcas como um belo e desesperado hieróglifo.
De todo modo, tudo seria apenas uma hora de elegante exercício de encenação, o que não é pouco, dado a grande sensibilidade do diretor, iluminador e sonoplasta Márcio Aurélio, se não fossem os últimos dez minutos.
Com Marcello extenuado prostrado no chão, surge Marilena Ansaldi, representando o espírito da terra. Erguendo-se acima de tudo, até mesmo da belíssima ária de Vivaldi, celebra sobre o banco um ritual de cópula e de morte, com um vigor e uma sensualidade assombrosos: é a quintessência de sua fecunda carreira o que a atriz nos oferece durante estes dez minutos.
Então, palavras já não são necessárias. Tudo se faz evidente, logo profundamente assombroso. A vida apenas, sem qualquer explicação.


A METAFÍSICA DO AMOR
Quando:
sex., às 21h30; sáb., às 22h; até 26/8
Onde: Sérgio Cardoso (r. Rui Barbosa, 153, tel. 0/xx/11/3288-0136)
Quanto: R$ 20
Avaliação: bom


Texto Anterior: Crítica/cinema/"Primo Basílio": Adaptação de Daniel Filho para "Primo" é mais próxima do universo rodriguiano
Próximo Texto: Música: Universal retira proteção de CDs e MP3
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.