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Crítica/teatro/"A Metafísica do Amor"
Peça tem como ponto alto a atuação magistral de Marilena Ansaldi
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Um longo banco de jardim sobre um gramado, emoldurado por
um muro. Na extrema esquerda do banco, uma maçã esquecida acentua a impressão de um
jardim do Éden na ascética elegância da Bauhaus. Solipsista,
Santo Antão enfrenta as tentações da modernidade, armado
com seus Schopenhauer, Arnaldo Jabor e Marcelo Rubens
Paiva. A erudição sem concessões e a estética precisa dão a
marca da Cia. Razões Inversas,
que há 17 anos une o diretor
Marcio Aurélio ao ator Paulo
Marcello, entre outros, para espetáculos de longa gestação.
A peça "A Metafísica do
Amor", em cartaz no teatro
Sérgio Cardoso, por exemplo,
estava sendo esboçada em
2001, por ocasião da primeira
edição do Festival Internacional de Teatro de São José do
Rio Preto. Então, o eremita se
abrigava em um quarto de hotel, e sua metafísica ia tecendo
pontes quase incidentais com
uma televisão ligada.
Agora já não mais performance, o espetáculo amadureceu muito. Santo Antão já não é
mais um exilado urbano. Reencontrou seu paraíso solitário,
no conforto da reflexão, e os visitantes inoportunos, que compõem a essência da excessiva
peça de Gustave Flaubert, são
apenas invasores do fluxo de
consciência.
Evita, no entanto, o repouso
do banco, como se fosse uma lápide. A modernidade o exaspera, mas o mantém em movimento. A minuciosa partitura
de suas ações, cumprida por
Marcello com sua habitual
competência, vai se tornando
uma coreografia árida, de ângulos retos, quase abstrata, como
a daqueles seres que circulam
por trás das janelas dos grandes
conjuntos financeiros.
A opção pelo simbolismo, no
entanto, faz com que nada possa se reduzir a uma referência
anedótica.
Pode-se assistir ao espetáculo de duas formas: compartilhando o fio da meada do intelectual perdido em seu labirinto ou olhando-o de fora, como
um exótico animal enjaulado,
apreciando apenas as marcas
como um belo e desesperado
hieróglifo.
De todo modo, tudo seria
apenas uma hora de elegante
exercício de encenação, o que
não é pouco, dado a grande sensibilidade do diretor, iluminador e sonoplasta Márcio Aurélio, se não fossem os últimos
dez minutos.
Com Marcello extenuado
prostrado no chão, surge Marilena Ansaldi, representando o
espírito da terra. Erguendo-se
acima de tudo, até mesmo da
belíssima ária de Vivaldi, celebra sobre o banco um ritual de
cópula e de morte, com um vigor e uma sensualidade assombrosos: é a quintessência de sua
fecunda carreira o que a atriz
nos oferece durante estes dez
minutos.
Então, palavras já não são necessárias. Tudo se faz evidente,
logo profundamente assombroso. A vida apenas, sem qualquer explicação.
A METAFÍSICA DO AMOR
Quando: sex., às 21h30; sáb., às 22h; até 26/8
Onde: Sérgio Cardoso (r. Rui Barbosa,
153, tel. 0/xx/11/3288-0136)
Quanto: R$ 20
Avaliação: bom
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