São Paulo, quarta-feira, 11 de agosto de 2010

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MARCELO COELHO

Pedras vivas


Tantas pedras no país, parece injusto só safira, diamante, rubi e esmeralda estarem no primeiro time


EUCLÁSIO. OLIVINA. Espinélio. Helvita. Dada a criatividade dos nomes próprios no Brasil, bem que eu poderia estar falando de pessoas. Mas são pedras, algumas das pedras que aparecem nas 700 e tantas páginas espetacularmente ilustradas de um livro de Carlos Cornejo e Andrea Bartorelli, lançado há pouco pelas Edições Solaris.
"Minerais e Pedras Preciosas do Brasil" foi feito com patrocínio da Vale do Rio Doce e, por mais que as fotos de lavras e garimpeiros sempre incomodem um bocado -palhoças de pau a pique ao lado de jazidas de turmalinas-, impossível não ficar maravilhado com a variedade das gemas que o livro traz.
Estamos longe do ramerrão das joalherias; a natureza excede qualquer tipo de lapidação e engaste comportado. E são tantos os tipos de pedras faiscando pelo país que parece injusto o fato de apenas a safira, o diamante, o rubi e a esmeralda estarem no primeiro time.
Pegue-se, por exemplo, uma prima pobre dessa turma. Seu nome? Apatita. Vejo-a inicialmente meio tímida, cor de vira-lata amarelo, enfiando-se entre torrões cinzentos de feldspato.
Viro a página, ela é outra: cor-de-rosa clara, ela levanta a cabeça, como uma diva de ópera ao ser fotografada, com o vison branco dos cristais de albita rodeando o seu pescoço.
Mais uma foto, e madame exibe-se num perfeito Chanel preto e branco. O antropomorfismo se desfaz logo em seguida: cristais e mais cristais de apatita cúbica se organizam, agora, no que parece ser um estilingue verde-escuro.
Continuo a folhear o livro. Cada tipo de rocha vem acompanhado de muitas especificações técnicas, que não entendo, mas de que não desgosto. Os termos de mineralogia se combinam em formações exóticas e complexas.
O "idiomórfico topázio", por exemplo, tem "comportamento alocromático", é "ortorrômbico", mas "cliva-se com muita facilidade em planos basais". Um capítulo fala de "hábitos dos cristais de turmalina".
Faces de pinacoide, pegmatitos zonados, "efeito alexandrita": todo esse vocabulário técnico corusca por si só e admite de vez em quando as metáforas mais transparentes.
Há o "quartzo fantasma", por exemplo, em que formas de um cristal se vêem no âmago de outro, mais claro. O "rutilo estrela" explode numa página. Sobre uma base escura, nasce a "rosa de ferro" da hematita. Fragmentos de quartzo, diz o livro, juntam-se por vezes em "casulos" e fico imaginando que inseto mágico não evoluiria dali.
À medida que entro no universo desse livro, vai ficando difícil acreditar que nessas pedras não haja alguma forma de vida. Cada uma parece pulsante em seus caprichos, hábitos, modos de criar surpresa e de fugir ao nosso olhar.
Uma ametista clara desabrocha na adolescência, um cristal de morganita não se decide entre o rosa e o azul, uma água-marinha brota de um tronco de árvore. Quem não acreditar que confira nas páginas 640, 489 e 467.
Cada pedra se afirma como quer. A cianita se deita, esbelta como Cleópatra, sobre sua cama branca de quartzo. Uma formação de calcita se enfeita de suas próprias joias, pingos verdes de celadonita, e vira uma espécie de crisântemo.
Euclásio é um alto e orgulhoso príncipe, de uniforme azul, efervescente por dentro. Rodonita é um tipo de espanholona despachada e sanguínea e contrasta muito com sua companheira de capítulo. Milarita o seu nome: gueixa pudica, prefere os tons de jade. Spessartina, doce e enjoativa como uma jujuba. Herderita, confusa, imatura, fragmentária. Xenotímio, antipático, ressentido, sombrio. O vaidoso Berilo do Alto dos Amâncios.
Já para o fim do livro, irrompe a gloriosa família das turmalinas. O capítulo divide-se conforme as distintas lavras. Há os jorros de água azul de Franciscópolis, os repuxos noturnos de Governador Valadares, os cetros imperiais de Coronel Murta, os sabres de luz da Pederneira, o tumulto verde de Resplendor, o disparo vermelho e monumental (74 quilos) de Conselheiro Pena.
Não sei que poeta descreveu o cristal como uma "uma pedra que abriu os olhos". Apesar de todas as especificações técnicas do livro, o leitor não precisa de nada para se render ao seu espetáculo, a não ser fazer o mesmo.

coelhofsp@uol.com.br


AMANHÃ NA ILUSTRADA:
Contardo Calligaris




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