São Paulo, terça, 11 de agosto de 1998

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Livro reconstitui a 'subversão popular' de Michelet, 200


Sai na frança biografia sobre o historiador que menosprezou a narrativa convencional em nome da cultura e da tradição do povo


RODRIGO AMARAL
de Paris

Ele é reconhecido hoje como um dos grandes escritores franceses do século 19. Mesmo durante sua vida, reuniu, entre seus admiradores, gente do calibre de Victor Hugo, Gustave Flaubert e Émile Zola. Honra suficiente para qualquer um. Menos, talvez, para um dos grandes nomes do romantismo francês, o historiador Jules Michelet, cujos 200 anos são comemorados no próximo dia 21 de agosto. "Essa é a acusação com que se crê acabar com a reputação do historiador", escreveu em 1856, após ter sido "acusado" por outro historiador, Hippolyte Taine, de ser um dos quatro maiores poetas da França de então. Sua trajetória pessoal e intelectual é reconstituída no livro "Michelet, les Travaux et les Jours" ("Michelet, os Trabalhos e os Dias"), do também historiador Paul Viallaneix, lançado recentemente na França. O livro retrata a atividade de um pesquisador que modificou a forma de abordagem dos acontecimentos históricos, foi um propagador de teorias subversivas em uma época turbulenta, tornou-se um best seller editorial em pleno século 19 e chegou a lançar os fundamentos de uma religião. Hoje, porém, Michelet é reconhecido sobretudo como um grande escritor. Algo que, em vida, refutava com vigor. Ele achava que a afirmação de que fazia mais literatura do que história era uma forma de enfraquecer seus pontos de vista sobre a história da França, em particular, e da humanidade em geral. Uma "conspiração" inaceitável para o homem que decidiu desvendar a história francesa reduzindo a importância da sucessão dos acontecimentos para valorizar a evolução das idéias, usos e costumes da sociedade. Michelet foi um revolucionário do estudo da história ao introduzir a utilização de outras ciências, como a antropologia, a medicina, a zoologia e a geografia. Tratava a história como uma ferramenta para a consumação da revolução iniciada na França em 1789 e que, na sua visão, consumava o destino da nação francesa. Seus livros imprecavam contra a burguesia, a Igreja Católica, a monarquia, a Revolução Industrial e tudo o mais que conspirava contra a implantação de um sociedade calcada na liberdade popular. Em nome do engajamento, utilizava a imaginação para preencher os vácuos históricos que os documentos deixavam. Para o medievalista Georges Duby, a história contada por Michelet é "exaltante, mas não se deve procurar nela a verdade dos fatos". "Não devem ser buscados em Michelet os elementos de uma história científica, mas algumas iluminações que fazem pensar", afirmou Duby em uma entrevista concedida pouco antes de sua morte e publicada na edição de maio da revista "Europa". Uma opinião que não é totalmente compartilhada por Viallaneix. "Michelet se valia da imaginação porque, na época, a história não era independente da literatura", afirma o biógrafo. Em sua opinião, também não se deve esperar de um historiador do século 19 o rigor que se tornou a regra nos tempos atuais. Michelet nasceu em Paris, em 1798, nove anos após a queda da Bastilha. A Revolução Francesa foi sua grande referência ideológica. Na sua opinião, a revolução representava a consumação da nação francesa, que tinha a missão de orientar os outros povos. Michelet esperou e, por diversas vezes, previu a consumação dessa revolução. Por exemplo, nos fracassados movimentos de revolta ocorridos em 1830 e 1848. Seus cursos no venerado Collége de France, a partir de 1838, causavam o deleite dos setores mais radicais da sociedade. Eram assistidos por multidões que, nos momentos politicamente mais exaltados, chegavam a sair em passeatas após ouvirem o mestre. Sua defesa da autonomia dos povos e do combate ao absolutismo influenciou movimentos nacionais em países como Itália, Romênia, Polônia e Alemanha. Em 1848, sua influência era tamanha que chegou a ser apontado como membro do governo provisório instalado pela revolta popular de fevereiro. Mas não aceitou, achava que sua batalha era travada por meio dos livros que publicava. Ao antever o que considerava riscos para o legado de Robespierre, Danton (a quem admirava) e seus seguidores, escreveu logo uma "História da Revolução Francesa" em nada menos que sete volumes, rigorosamente baseada em documentos e exaltando os ideais do movimento. Escreveu mais de 50 obras. Amante das metáforas e hipérboles tão caras aos escritores românticos, Michelet tem hoje assegurado, ainda que a contragosto, seu lugar no panteão da literatura.
Livro: Michelet, les Travaux et les Jours
Autor: Paul Viallaneix
Editora: Editions Gallimard (5, rue Sébastien-Bottin, 75007, Paris, França)
Encomendas: Livraria Francesa (011/829-7956)



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