São Paulo, terça, 11 de agosto de 1998

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DISCO - LANÇAMENTOS
Tributo relê canções do dramaturgo Noël Coward

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

O álbum-tributo "Twentieth Century Blues" registra o fascínio que o dramaturgo, produtor, ator e poeta inglês Noël Coward (1899-1973) ainda exerce sobre várias gerações de artistas -como cancionista.
Autor de comédias e musicais de teatro que primaram por exprimir as "agruras" da alta sociedade -no Brasil, Fernanda Montenegro ("Gilda") e Paulo Autran ("As Regras do Jogo") o encenaram-, Coward as forrou de canções ora irônicas, ora satíricas, ora francamente derramadas.
Tais canções -o tributo demonstra- encantam desde velhos românticos como Bryan Ferry, Marianne Faithfull e Paul McCartney até jovens neo-românticos, como Brett Anderson (Suede), Neil Hannon (Divine Comedy) e Damon Albarn (Blur).
Encantam, sobretudo, o cabeça pensante da dupla pop Pet Shop Boys, Neil Tennant, um dos produtores executivos do projeto. A afinidade não é difícil de compreender: passa tanto pelo elã de cabaré Broadway/Hollywood quanto pelo glamour gay que Coward professava e que os Pet Shop Boys são loucos por professar.
O engraçado em "Twentieth Century Blues" é confrontar os da antiga com os moderninhos. Aí se percebe que são dois discos em um -e que ambos refletem com eficácia os humores de Coward e de seu idólatra Tennant.
O primeiro reúne a ortodoxia tipo cabaré, aquela que é o próprio espírito de Coward. Quem puxa a caravana é Bryan Ferry, em leitura dilacerada de "I'll See You Again". Não à toa, aparece na sequência Marianne Faithfull, tornando áspera a picardia gay de Coward em "Mad about a Boy" ("até mesmo dr. Freud não poderia explicar/ aqueles sonhos vexatórios/ que tive com o garoto").
Os outros velha-guarda são mais (ir)regulares. Paul McCartney ("A Room with a View") é simpático, Elton John ("Twentieth Century Blues") é -para variar- anedótico, Sting ("I'll Follow My Secret Heart") é -para variar- insuportável.
O outro lado, "contemporâneo", do CD se desmembra em dois subgrupos, ambos sintonizados com as linhas "eletropop" dos anos 90.
Em "I've Been to a Marvellous Party", o homem-banda Divine Comedy incorpora o dândi que é (e que Coward era) a uma batida tecno como aquelas que Danny Boyle usou para dar significado a "Trainspotting". Supimpa.
O Space faz cabaré elétrico de "Mad Dogs and Englishmen", uma simpatia. Damon Albarn se associa ao compositor erudito Michael Nyman, em "London Pride", belo instantâneo simbólico.
Outros novos caem no conto de Neil Tennant, o que faz um quarto do disco parecer um tributo aos Pet Shop Boys -acontece com Texas, Robbie Williams (ex-Take That, socorro), Shola Ama (uma gritaria só).
No meio do caminho ficam... eles mesmos, os Pet Shop Boys. Sua "Sail Away" é meio para cá, meio para lá, não acontece muito. Também meio nova, meio velha é a "Mrs. Worthington" de Vic Reeves, bem mais eficiente.
Os exemplos de transição acabam dando o tom de todo o projeto -chegam perto do que talvez fosse Noël Coward em 98: um misto de Burt Bacharach e Jarvis Cocker (Pulp), de Henry Mancini e David Bowie, de Carpenters e Madonna fase "Erotica". Música e teatro, enfim.

Disco: Twentieth Century Blues - The Songs of Noël Coward Lançamento: EMI Quanto: R$ 18, em média


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