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ARIANO SUASSUNA
Sociologia e Filosofia da Cultura
ALMANAQUE ARMORIAL
Grande Logogrifo Brasileiro da Arte, do Real e da Beleza, contendo
idéias, enigmas, lembranças, informações, comentários e a narração de
casos acontecidos ou inventados, escritos em prosa e verso
e reunidos, num Livro Negro do Cotidiano, pelo Bacharel em Filosofia
e Licenciado em Artes Ariano Suassuna
GILBERTO FREYRE E A ARTE
Em 1972 , no prefácio da "Farsa
da Boa Preguiça", escrevi:
"Muito raramente leio qualquer
coisa de Sociologia. Tenho um
amigo sociólogo a quem, de vez
em quando, digo, brincando, que
não levo a Ciência dele a sério
porque a Sociologia perde em
movimentação e grandeza épica
para a História; perde em segurança e eficácia técnica para as
Ciências; perde em atualidade para a Imprensa; e perde em Beleza
para a Literatura". Quer dizer: para as pessoas como eu, a Sociologia (não por acaso originada no
quadro mecanicista do pensamento positivista) jamais poderá
atingir as dimensões e a beleza da
Filosofia da Cultura, tal como foi
pensada e escrita por um Bergson
ou por um Nietzsche. E foi levando tal fato em conta que, em 1962,
no artigo que escrevi sobre minhas relações com o Movimento
Regionalista de 26, afirmei:
"Na minha opinião, é ótimo que
a sociologia gilbertiana se torne
cada vez mais filosófica e menos
sociológica. Acho, por exemplo,
um livro como "Ordem e Progresso" mais humano e mais liberto de certos materialismos
(positivistas) do que "Casa-Grande & Senzala"; se bem que não
concorde com a desconfiança que
este despertou a princípio em certos católicos, achando, pelo contrário, que ele veio abrir um caminho para livrar a Sociologia de vários vícios de origem. Que tenha
algumas dessas marcas de origem, conforme salientou Luiz
Delgado em artigo que reconhecia, com justiça, a grandeza da
obra, é explicável, dado seu caráter desbravador. E é justo assinalar, também, que as perspectivas
da obra gilbertiana vêm se alargando à medida que ela caminha
no tempo, renovando-se e procurando-se (...). Assim, discordando
da maioria, acredito que os grandes momentos de Gilberto Freyre
são aqueles quase todos em que
ele deixa falar o intuitivo que há
nele. Não acho, como José Lins do
Rego, que nele "é o poeta que se liga ao sociólogo e não o larga nunca". Penso que Gilberto Freyre caminha cada vez mais no sentido
de conseguir uma síntese, atingindo aquele "conhecimento poético" de que fala Gabriel Marcel. E
lamento mesmo, às vezes, que ele
não tenha encerrado ainda o ciclo
de seus ensaios sociológicos para,
sem as limitações do social, tentar
a interpretação puramente filosófica da nossa realidade".
Outra coisa que sempre tentei
em relação a Gilberto Freyre foi
julgá-lo como escritor, não levando em conta sua visão política direitista sobre o Brasil e o mundo
de Língua Portuguesa. Por exemplo: discordei lealmente dele numa das sessões do Seminário de
Tropicologia, em que, na sua frente, marquei minha posição, contrária à sua, a respeito da independência das colônias portuguesas
na África. Mesmo quando discordava de Gilberto, porém, nunca
deixei de anotar que seu pensamento era expresso numa obra literariamente bem escrita. Enquanto isso, no Brasil e em Portugal, não havia nenhuma obra que,
com a mesma dimensão, nos oferecesse, pela Esquerda, um pensamento articulado e novo que se
pudesse opor ao dele. Literariamente, Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes nunca chegaram nem perto de Gilberto Freyre; o que, na minha opinião, se deve ao fato de que, assim como o
Regionalismo foi um Neonaturalismo do qual terminei tendo de
me afastar, o Marxismo, o Socialismo "científico" de Marx, é um
Neopositivismo tão estreito, mecanicista e castrador quanto o
pensamento de Augusto Comte
(que, também não por acaso, é o
fundador da Sociologia). Por isso
o que me agradava mais na obra
de Gilberto Freyre eram os momentos em que, deixando de lado
a Política e a Sociologia, falava sobre a Literatura e as outras Artes.
O que me levou a escrever o seguinte, no artigo de 1962 ao qual
me venho referindo:
"Quanto à Pintura, num artigo
publicado, se não me engano, antes de 1930, a respeito da nossa natureza como fonte de recriação
para nossos pintores, fala Gilberto
Freyre "de amarelos e roxos espessos, oleosos, gordos, às vezes
dando vida a formas que são
meios-termos grotescos entre o
vegetal e o humano, verdadeiros
plágios da anatomia humana, do
sexo do homem e da mulher,
formas no verão alto chupadas
pelo sol de todo esse sangue, de
toda essa cor, de toda essa espécie de carne; e quase reduzida
aos ossos dos cardos; a relevos
duros, ascéticos, angulosos, assexuais". Essas palavras são cheias
de sugestões para um grande pintor disposto a se abrir diante de
nossas formas. E não posso me
impedir de lembrar a pintura de
Francisco Brennand, que elas pareciam anunciar. Imagino sua novidade no tempo em que foram
escritas, porque elas são novas
ainda hoje. Mas fica-se de repente
perplexo ao vê-lo exaltar, no mesmo artigo, a medíocre pintura
mexicana, que está longe de realizar, em relação à sua região, o que
Gilberto Freyre sonhava para a
nossa".
Lembro que o artigo que venho
transcrevendo é de 1962, de modo
que o Brennand do qual nele falo
é o dos florais, o dos frutos e vegetais da Zona da Mata que o nosso
grande artista então pintava. E esclareço que, quando me referi à
"medíocre pintura mexicana", foi
porque sempre achei Diego Rivera um pintor menor, a ele preferindo -e de longe!- sua mulher, Frida Kahlo.
(Continua na próxima semana.)
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