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São Paulo, quinta-feira, 11 de setembro de 2003

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"O MERCADO DO GOZO"

Escrito a partir do improviso dos atores, roteiro de espetáculo se perde em detalhes e gira em falso

Companhia do Latão não vai além do ensaio

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

A Cia. do Latão impressiona pela clareza. Não sobe ao palco para compartilhar dúvidas, mas para demonstrar certezas. Tem como paradigma o Brecht didático e, utilizando o seu "organon" como instrumento de precisão, propõe em suas montagens expor questões incômodas e urgentes da sociedade brasileira.
Em "O Mercado do Gozo", a direção musical, que se apóia em delicadas composições originais e na voz segura do elenco, faz com que se pense em "The Cradle Will Rock", musical sindicalista de Marc Blitzstein, que originou filme ("O Poder Vai Dançar").
É como se a Cia. do Latão fosse um inesperado braço brasileiro dessa "Broadway vermelha". Resultado de extensas oficinas multidisciplinares, ilustração de discussões públicas, o espetáculo, no entanto, não empolga -e dá a entender que é por opção estética. Afinal, a didática brechtiana se aplica antes de tudo aos atores, e não ao público, cuja presença a rigor é dispensável. Não se busca comover, mas entender racionalmente através da ação teatral. Por esse princípio, policia-se a emoção: ninguém goza em serviço.
Helena Albergaria, atriz sensível e profunda, tem que se expressar por sistemáticas caras de choro; a forte presença de Victoria Camargo se deságua em gritos. Ney Piacentini e Beto Mattos mostram a habitual eficácia de coringas, mas Emerson Rossini faz o herdeiro da fábrica de tecidos ir da revolta à orgia sem mover um músculo.
Com uma dramaturgia escrita "na sala de ensaio, a partir do improviso dos atores", o roteiro se perde em detalhes e gira em falso, com algumas inovações pontuais ofuscadas por efeitos gratuitos.
Reduzido a figurantes de cinema, a quem se adverte para não reagir, o público é menosprezado como um intruso, incapaz de entender a fina massa que se fabrica nessa companhia. Disfarçando, pois, o tédio para não parecer reacionário, o público espera com paciência merecer da próxima vez da competente Cia. do Latão algo além de um ensaio.


O Mercado do Gozo  
Texto e direção: Márcio Marciano e Sérgio de Carvalho
Com: Cia. do Latão
Onde: teatro Cacilda Becker (r. Tito, 295, SP, tel. 0/xx/11/3864-4513)
Quando: de qui. a sáb., às 21h; dom., às 19h; até 26/10
Quanto: de R$ 5 a R$ 10



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