UOL


São Paulo, quinta-feira, 11 de setembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MÚSICA

Secos e molhados ELETRÔNICOS

Marilena Setti/Divulgação
O mineiro Bruno Verner e a paulista Eliete Mejorado, da dupla Tetine, radicada em Londres, de onde lança "Men in Uniform"



Tetine lança "Men in Uniform" com tiragem limitada e referências a electro, funk carioca e política do corpo


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

O funk carioca se mudou para Londres, virou electro e agora reenvia para o Brasil um disco chamado "Men in Uniform". Não é bem isso, mas é parecido.
Morando em Londres há quase quatro anos, a paulista Eliete Mejorado, 36, e o mineiro Bruno Verner, 32, lançam agora, apenas no Brasil, o sexto álbum de seu duo-casal performático-eletrônico, o Tetine.
Embora conservem desde a estréia (em 97) a prática de fazer dialogar experimentação eletrônica, performance, linguajar pop inspirado nos anos 80 e vocais cantados-falados, aceitam ser integrados ao que hoje se convencionou rotular como electro.
Mas puxam daí um fio de religação com o país natal. "O funk carioca é o electro nacional do Brasil", afirma Verner, de Londres.
Mejorado completa: "Gosto de pensar que nosso som nesse novo disco tem algo de funk carioca. É político, fala de sexo, guerras internas e externas, violência. E não está necessariamente comprometido com a moda".
Comandando um programa próprio na rádio londrina Resonance FM, uma das principais "art radios" do mundo, os dois dedicaram todo o episódio de estréia ao funk carioca.
"Fui descobrir o funk carioca tardiamente, quando fui ao Brasil, em janeiro", conta Mejorado. "Ouvi a música "Elas Estão Descontroladas", depois descobri Tati Quebra-Barraco. Sabe a Peaches? Ela ia ficar descontrolada de ouvir a Tati", provoca.
"Men in Uniform" sai no Brasil pelo selo independente Bizarre, em apenas 499 cópias -a 500ª é a master, que pertence ao próprio Tetine. Se for lançado lá fora, segundo eles, será por distribuição da própria Bizarre.
O esquema restrito é intencional, dizem. "A idéia era fazer o disco como um objeto de arte, uma peça de colecionador", explica Eliete Mejorado.
A dupla já iniciou o processo de confecção de um novo álbum, que também deve sair em DVD (o primeiro da dupla), no início de 2004, pela gravadora Sulphur.
A inglesa Sulphur é a mesma que lançou, no ano passado, "Samba de Monalisa", encontro entre o Tetine e Sophie Calle (uma das mais importantes artistas contemporâneas da França) que até hoje rende dividendos à dupla.
"Samba de Monalisa" foi visto na Europa como uma coisa "electro art". O DJ Hell [um dos nomes centrais da onda electro] recebeu e nos mandou um e-mail falando que a música era muito legal. Ficamos inchados", diz Verner.
Ele reage ao ser informado que hoje proliferam em São Paulo grupos que combinam performance e linguagem eletrônica, em espírito próximo ao do Tetine:
"Que eu me lembre, performance era papo para boi dormir em tempos de tecno dos 90. Se o Tetine gerou algum tipo de influência nesse sentido no underground brasileiro, fico muito feliz".
Depois de lançar "Samba de Monalisa" na galeria de arte Whitechapel, o Tetine fez a trilha sonora orquestrada para a instalação/performance "Winterspace", do grupo inglês Igloo, com projeções gigantes de estrelas, neve e tempestades -a veia performática segue adiante.

Secos & Molhados
A veia performática aparece, também, no visual meio Secos & Molhados que o Tetine adota para divulgar "Men in Uniform". Mas a referência não foi intencional, dizem.
"Pode ser, mas acho que o Bruno parece mais o Sidney Magal nas fotos. Também pensei no Kiss", brinca Mejorado. "Na verdade, nossa idéia era remeter a fetiche, ao que não é bonitinho, limpinho... e dá prazer", completa.
Mas a conexão com o grupo glitter-MPB de Ney Matogrosso nos anos 70 se dá também no quesito sexualidade, sempre presente nas pesquisas musicais do Tetine.
"Bissexualidade sempre esteve no nosso programa, isso sempre foi transparente. Acho que caminhamos para uma fase cada vez mais clara quando se fala de sexo", diz Bruno Verner.
"Sim. Já fui mulher, eu sei. Quando você se coloca com o corpo sem medo, abre a possibilidade de as pessoas também se abrirem. O Tetine faz política corporal desde o início", concorda Eliete Mejorado.
Falando sobre atitude, ela, que tem formação de atriz de teatro, volta ao electro. "O mundo está precisando de atitude, de gente com opinião. Não dá pra dizer que "você não precisa emergir de nada" [citando verso electro do Fischerspooner], é uma bobagem. Só me deixa ressabiada essa coisa de moda. Porque estamos fazendo isso, ou quase isso, há anos."
Verner, que começou na música na cena mineira do rock dos anos 80, celebra a reunião de música eletrônica e vocais proporcionada pelo electro. "O "hype" em torno é meio sacal, às vezes, mas faz parte também. O legal é que tem muita gente boa fazendo música de qualidade com vocal. Eu nunca gostei dos anos 90, na real."


Texto Anterior: Contardo Calligaris: Fazer a coisa certa
Próximo Texto: Recusa mútua entre a dupla e o Brasil move "Men"
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.