São Paulo, sexta-feira, 11 de outubro de 2002

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CINEMA/ESTRÉIA

"A TEIA DE CHOCOLATE"

Longa de francês tem Isabelle Huppert no elenco

Claude Chabrol explora as falsas aparências do mundo

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

"É preciso salvar as aparências", diz Mika aos diretores de sua fábrica de chocolate. Nessa altura, "A Teia de Chocolate" está começando, mas a frase é uma senha do que virá a seguir.
Estamos na Suíça, terra por excelência das falsas aparências. E parece que a vida dos personagens desse filme segue bem o ritmo local, onde as coisas parecem todas se encaixar.
Mika é casada com o famoso pianista André Polonski e tem como enteado o jovem Guillaume. Existe no filme uma outra família feliz, ou quase isso, composta por Jeanne Pollet, uma jovem pianista, e sua mãe Brigitte, diretora de um instituto de medicina legal.
Numa terra de aparências, a fofoca corre solta e, claro, em dado momento uma amiga de Brigitte faz a revelação incômoda: quando Jeanne nasceu, houve uma momentânea troca de bebês no hospital. Tudo se desfez, mas agora, para Jeanne, resta a dúvida: seria ela filha de André? E seria Guillaume filho de Brigitte?
Por esse viés incisivo, Claude Chabrol, 72, instaura o mistério e a dúvida em seu filme, pois a questão (quem é meu pai?) não é coisa pequena. Digamos que sobre ela se edifica o cristianismo.
E, além disso, Jeanne não é uma pianista como André Polonski? Claro, nada é conclusivo. Mas a existência da suposição (reforçada pela semelhança entre Jeanne e a mãe -suposta mãe- de Guillaume) é bastante para nos introduzir numa história em que tudo é um jogo de aparência e mistério.
No entanto, esse não é o único: o principal mistério é Mika. Sobre ela convém não adiantar muita coisa -sob pena de contar toda a história. De todo modo, Chabrol deixa claro em vários momentos que não fugirá a um princípio central de sua obra: o mundo é um mistério e cada ser encerra mistérios não raro tenebrosos.
Qual a natureza desse mistério, não ficaremos sabendo. Também não saberemos ao certo qual a natureza do mal que cerca as pessoas. O mal é tão inexplicável quanto a própria existência: ele existe simplesmente. Diante dele, pode-se ter uma atitude de ácida ironia, tão típica de Chabrol.
Como Fritz Lang, seu mestre, ele se distancia ligeiramente dos personagens para observá-los à distância. Se evita investigar a natureza do mal, em troca sua "Teia de Chocolate" se detém com cuidado sobre como ele se manifesta.
É nessa medida que seu filme consegue fazer o caminho oposto da maior parte dos filmes. No início, nos dá a impressão de conhecer até de maneira íntima os personagens. Quando chegamos perto do final, nosso conhecimento (que era fundado sobre aparências) vai se esgarçando e cada personagem vai sendo plenamente reinstaurado em seu mistério.
É como se Chabrol filmasse sobrevoando os acontecimentos (um personagem comenta isso, a propósito do modo de executar uma peça musical) e seus protagonistas. Como se mostrasse deles apenas a pele, enquanto a teia de acontecimentos que se tece em torno deles se encarregasse de esclarecer o acessório e, ao mesmo tempo, toldar o essencial.
E como se Chabrol risse discretamente de nossas expectativas, ao criar esses fantasmas que se movem à nossa frente. E como se cada revelação do mundo comportasse a instauração de uma zona de sombra correspondente. O que é seguro: estamos diante de um grande cineasta, em um momento de plenitude.


A Teia de Chocolate
Merci pour le Chocolat
    
Direção: Claude Chabrol
Produção: França, 2000
Com: Isabelle Huppert, Jacques Dutronc, Anna Mouglalis
Quando: a partir de hoje no Frei Caneca Unibanco Arteplex e Lumière




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