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São Paulo, sábado, 11 de outubro de 2003

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LITERATURA

Após 8 anos dedicados ao teatro, escritor paulistano lança romance

Paiva compõe a ascensão e a queda de um "galinha"

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

O cenário é urbano. A temática, sexual. A perspectiva, masculina. Luiz é um moço bem nascido que faz fortuna com uma boate (ou "espaço", como ele diz) da moda, traça todas as mulheres, entra em crise, apaixona-se por Malu e depois encasqueta que a amada o está traindo. Um "Sex and the City" brasileiro, com o ponto de vista do homem?
O articulista da Folha Marcelo Rubens Paiva, 44, cinco romances, sete peças de teatro, torce o nariz para essa definição de seu último livro, "Malu de Bicicleta", a primeira narrativa romanesca após oito anos dedicados quase exclusivamente à dramaturgia.
Mas o fato é que há algo no livro, relacionado à abordagem da sexualidade, que lembra a série americana. Embora o romance seja bem mais explícito, e nisso Paiva concorda. "Procurei ir a fundo no tema da sexualidade, sem omitir nada, sem tirar os palavrões", afirma.
Esse caráter mais cru nem sempre pode ser empregado no teatro, por exemplo. Na peça, "E aí, Comeu?", Prêmio Shell em 2000, foi obrigado a suprimir algumas falas, pois os atores se recusavam a dizê-las. Mesmo com as atenuações, "durante a temporada, saíam umas dez pessoas nos dez primeiros minutos", diz.
Paiva também conta que desde o início foi movido pela idéia de falar de um "galinha". Segundo ele, o brasileiro "adora essa coisa de explorar a vida sexual alheia" e também preza "o macho conquistador". A partir daí quis contar a história de um galinha que se dá mal, cujas transas sem fim o levam a um vazio existencial.
Quando decide deixar a galinhagem, Luiz passa a desconfiar de Malu. "A traição é um fantasma do homem. Inspirou grandes obras do passado, de Machado de Assis, Tolstói e Flaubert", salienta Paiva. Mas ao autor não interessa a mera intriga. Para ele, o sentimento de estar sendo traído leva o homem (ou a mulher, conforme o caso) "a refletir sobre sua condição, a fazer um balanço de sua vida; é aí que a coisa pega".
Paiva também imaginou o livro em três momentos: a construção do "galinha", a sua consagração e a decadência. Pois, além de falar do caso de amor entre Luiz e Malu, ele queria investigar a idéia da banalização do sexo. Examinar como, "nos dias de hoje, em que não existem grandes ambições, o sexo acaba em primeiro plano".
No fim, é a insatisfação, o tédio, a náusea. Mais do que contar esse processo, Paiva fez questão de mostrá-lo. "Um dos títulos que tinha em mente era "Ascensão e Queda de um Galinha", que era muito óbvio, mas eu queria mostrar essa trajetória ao leitor e nisso a experiência no teatro foi útil."
Como Paiva explica, a literatura é a arte do contar, enquanto o teatro é a arte do mostrar: "Quis construir a história de Luiz como um dramaturgo, mostrando ao leitor todas as etapas como se elas desenrolassem à sua frente, iniciando com o sexo com as empregadas, depois com a prima, até o ponto em que ele se transforma num "galinha'".
A técnica dramática levou o escritor a alinhavar as dezenas de cenas que fornecem o recheio da trama, e lhe emprestam o caráter por assim dizer "explícito". Paiva conta que quase tudo nesses episódios é "inventado": "Pode ser que haja algum detalhe extraído da minha experiência pessoal, mas o resto é fabricado".
O autor cita algumas influências, além de Machado de Assis, como Hemingway ("Estou redescobrindo"), e também elogia os atuais escritores brasileiros, como Marcelo Mirisola ("Dá inveja a capacidade dele em lidar com a escrita") e Fernanda Young ("Ninguém gosta, mas acho que atinge uma boa dose de verdade ao falar de suas neuroses").
E quanto a "Sex and the City"? Bom, Paiva acha que a temporada atual anda "meio melancólica". E arremata: "Imagine só, no último episódio a Samantha, a personagem "galinha", até chorou". Ou seja, leitores, esqueçam o seriado. Descubram o livro.

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