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LITERATURA
Após 8 anos dedicados ao teatro, escritor paulistano lança romance
Paiva compõe a ascensão e a queda de um "galinha"
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
O cenário é urbano. A temática,
sexual. A perspectiva, masculina.
Luiz é um moço bem nascido que
faz fortuna com uma boate (ou
"espaço", como ele diz) da moda,
traça todas as mulheres, entra em
crise, apaixona-se por Malu e depois encasqueta que a amada o está traindo. Um "Sex and the City"
brasileiro, com o ponto de vista
do homem?
O articulista da Folha Marcelo
Rubens Paiva, 44, cinco romances, sete peças de teatro, torce o
nariz para essa definição de seu
último livro, "Malu de Bicicleta",
a primeira narrativa romanesca
após oito anos dedicados quase
exclusivamente à dramaturgia.
Mas o fato é que há algo no livro,
relacionado à abordagem da sexualidade, que lembra a série
americana. Embora o romance
seja bem mais explícito, e nisso
Paiva concorda. "Procurei ir a
fundo no tema da sexualidade,
sem omitir nada, sem tirar os palavrões", afirma.
Esse caráter mais cru nem sempre pode ser empregado no teatro, por exemplo. Na peça, "E aí,
Comeu?", Prêmio Shell em 2000,
foi obrigado a suprimir algumas
falas, pois os atores se recusavam
a dizê-las. Mesmo com as atenuações, "durante a temporada,
saíam umas dez pessoas nos dez
primeiros minutos", diz.
Paiva também conta que desde
o início foi movido pela idéia de
falar de um "galinha". Segundo
ele, o brasileiro "adora essa coisa
de explorar a vida sexual alheia" e
também preza "o macho conquistador". A partir daí quis contar a
história de um galinha que se dá
mal, cujas transas sem fim o levam a um vazio existencial.
Quando decide deixar a galinhagem, Luiz passa a desconfiar
de Malu. "A traição é um fantasma do homem. Inspirou grandes
obras do passado, de Machado de
Assis, Tolstói e Flaubert", salienta
Paiva. Mas ao autor não interessa
a mera intriga. Para ele, o sentimento de estar sendo traído leva o
homem (ou a mulher, conforme o
caso) "a refletir sobre sua condição, a fazer um balanço de sua vida; é aí que a coisa pega".
Paiva também imaginou o livro
em três momentos: a construção
do "galinha", a sua consagração e
a decadência. Pois, além de falar
do caso de amor entre Luiz e Malu, ele queria investigar a idéia da
banalização do sexo. Examinar
como, "nos dias de hoje, em que
não existem grandes ambições, o
sexo acaba em primeiro plano".
No fim, é a insatisfação, o tédio,
a náusea. Mais do que contar esse
processo, Paiva fez questão de
mostrá-lo. "Um dos títulos que tinha em mente era "Ascensão e
Queda de um Galinha", que era
muito óbvio, mas eu queria mostrar essa trajetória ao leitor e nisso
a experiência no teatro foi útil."
Como Paiva explica, a literatura
é a arte do contar, enquanto o teatro é a arte do mostrar: "Quis
construir a história de Luiz como
um dramaturgo, mostrando ao
leitor todas as etapas como se elas
desenrolassem à sua frente, iniciando com o sexo com as empregadas, depois com a prima, até o
ponto em que ele se transforma
num "galinha'".
A técnica dramática levou o escritor a alinhavar as dezenas de
cenas que fornecem o recheio da
trama, e lhe emprestam o caráter
por assim dizer "explícito". Paiva
conta que quase tudo nesses episódios é "inventado": "Pode ser
que haja algum detalhe extraído
da minha experiência pessoal,
mas o resto é fabricado".
O autor cita algumas influências, além de Machado de Assis,
como Hemingway ("Estou redescobrindo"), e também elogia os
atuais escritores brasileiros, como
Marcelo Mirisola ("Dá inveja a capacidade dele em lidar com a escrita") e Fernanda Young ("Ninguém gosta, mas acho que atinge
uma boa dose de verdade ao falar
de suas neuroses").
E quanto a "Sex and the City"?
Bom, Paiva acha que a temporada
atual anda "meio melancólica". E
arremata: "Imagine só, no último
episódio a Samantha, a personagem "galinha", até chorou". Ou seja, leitores, esqueçam o seriado.
Descubram o livro.
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