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WALTER SALLES
De Woody Allen a Wong-Kar-Wai: 20 aulas de cinema
Um estudante perguntou
uma vez a Jean Pierre Melville, cineasta francês cultuado
pela turma da nouvelle vague, o
que era importante para se fazer
um bom filme. Melville não se fez
de rogado. Passou por cima do
tom meio simplista da pergunta e
soltou a seguinte pérola: "50%, a
história, 50%, os atores, 50%, a
direção de arte, 50%, a fotografia.
50%, a montagem, e assim por
diante. E se um desses elementos
der errado, você acaba de ferrar
50% do seu filme".
Para quem quiser explorar o tema do fazer-cinema com mais
profundidade, acaba de sair um
livro que é uma festa. Intitulado
"Moviemaker's Master Class", é
composto de 20 aulas dadas por
cineastas que definiram o que é o
cinema contemporâneo. Autores
tão diversos quanto David Lynch,
John Woo ou Godard discorrem
sobre as mesmas questões: como
eleger e contar uma história, como dirigir atores, como definir a
gramática visual de um filme.
Livros como esse são geralmente pesados e acadêmicos. Graças
às entrevistas conduzidas com inteligência pelo jornalista francês
Laurent Tirard, o tom aqui não é
nunca retórico ou professoral. Até
Woody Allen, tido como um diretor que detesta falar sobre seu método de trabalho, solta a língua. O
resultado é revelador.
Allen, sobre como fazer comédias: "O gênero não perdoa. A
questão principal é que nada deve distrair o espectador do riso. Se
você move a câmera em excesso,
se você edita em excesso, estará
provavelmente matando o riso. A
comédia pede um estilo límpido,
direto. O enquadramento deve
ser simples, como faziam Chaplin
e Buster Keaton. O bom diretor de
comédias deve ser espartano".
Allen, sobre a direção de atores:
"As pessoas que me perguntam
qual o segredo da direção de atores sempre acham que estou mentindo quando digo que não os dirijo -escolho atores talentosos e
pronto. Muitos diretores gostam
de sobredirigir seus atores. E os
atores mergulham nisso porque
gostam de ser sobredirigidos. Geralmente diretores e atores incorrem no erro de intelectualizar em
excesso o processo, de ter discussões intermináveis sobre os personagens. Nada melhor para acabar com a espontaneidade"."
Surpreendentemente, o livro
nos mostra que o diretor mais
próximo dessa tese é...Godard:
"Sou completamente incapaz de
dirigir atores com a densidade e
intensidade de Bergman, Cukor
ou Renoir", diz. "Minhas observações raramente vão além de
um "mais alto" ou "mais devagar".
Deixo os atores livres. Bem, não
completamente livres. Defino um
caminho, mas eles é que têm que
percorrê-lo."
É de Godard, também, a mais
bela definição daquilo que faz um
filme valer a pena: "Há dois níveis
de conteúdo em um filme: o visível, e o invisível. O que se põe à
frente da câmera é o visível. Se
não há nada além disso, está-se
fazendo televisão. Os verdadeiros
filmes, para mim, são aqueles que
contêm algo invisível. Algo que
pode ser discernido por entre o visível, e só pode ser sentido porque
essa parte visível foi pensada de
uma maneira específica".
Percebe-se, ao ler essas 20 aulas
de cinema, o quanto essa qualidade -a busca daquilo que não é
diretamente visível- é essencial
para cada um dos cineastas entrevistados. Entende-se, também,
que ela não é exclusiva do cinema. Há no livro uma estória contada por John Boorman, o autor
de "Amargo Pesadelo", que ilustra bem isso. Boorman foi preparar um filme na Amazônia, e teve
um encontro com o cacique de
uma tribo. "Tentei lhe explicar o
que era um filme -algo que permite viajar de lugar a lugar, ver o
mundo de diferentes ângulos e sonhar." O cacique respondeu sem
pestanejar: "Ah sim, eu também
conheço isso. Quando eu entro em
transe, eu também viajo assim".
"Moviemaker's Master Class" é
um achado, malgrado a ausência
de dois cineastas que desenvolveram métodos de trabalho inovadores, Mike Leigh e Ken Loach. O
livro pode ser achado em livrarias
especializadas. Para quem se interessa por cinema, vale a pena
conferir.
PS: Próximos possíveis governadores da Califórnia: Jean-Claude
Van Damme, Sylvester Stallone
etc. O leitor que me perdoe, mas
há eventos que desafiam a ponderação.
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