São Paulo, segunda-feira, 11 de outubro de 2004

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Exposição "Antes - Histórias da Pré-História", que começa amanhã no CCBB do Rio, examina o Brasil antes da chegada dos portugueses; mais de 300 peças, entre vasos, cerâmicas e urnas funerárias, mostram trabalho de antepassados brasileiros na primeira mostra do gênero no país

Divulgação
Detalhe de arte rupestre encontrada na serra da Capivara (PI)


Olhar pré-histórico

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

A francesa Anne-Marie Pessis, uma das curadoras de "Antes -°Histórias da Pré-História", conhece profundamente as mais de 300 peças que estarão expostas a partir de amanhã no Centro Cultural Banco do Brasil no Rio, dentro das comemorações dos 15 anos do espaço. Mesmo assim, se espanta diante de algumas.
"Se isso aparecer hoje, na Europa, em uma exposição de arte contemporânea, todo mundo vai dizer: "Oh!'", comenta, ao olhar para um zoólito, uma escultura em forma de peixe feita há centenas de anos.
A mostra é a primeira a reunir tantos objetos do Brasil pré-Descobrimento. Eles vêm de dez instituições brasileiras e três do exterior. Em janeiro vai para o CCBB de Brasília, mas não há previsão de chegar a São Paulo.
A produção e as projeções são de Marcello Dantas, e Pessis assina a curadoria ao lado de Niéde Guidon, a maior arqueóloga do país. As duas pesquisam a pré-história brasileira há 30 anos e são responsáveis pela Fundação do Homem Americano, no Piauí.
A beleza de obras como o zoólito exaltado por Pessis é um dos atrativos da exposição. Mas, ao componente estético, alia-se o da divulgação científica: mostrar a pessoas de hoje retratos da vida de seus antepassados -dos índios aniquilados pelos portugueses a homens de até 11 mil anos atrás- e acabar com uma inferioridade crônica.
"A primeira sala mostra imagens da pré-história de outros países para dizer: "É isso o que está nos livros. Agora vamos entrar na parte brasileira e ver que o que aconteceu na Europa aconteceu aqui também'", diz Pessis.
"O povo brasileiro conhece muito pouco sua arqueologia. O estereótipo do índio ainda é o do vagabundo. Mas nós tivemos sociedades de um nível cultural alto, que desenvolveram tecnologias e criaram uma maneira de viver bem, já que não havia fome e outros problemas de hoje. E foram criadores na arte também. Temos de rever a maneira como tratamos nossos primeiros povos", acrescenta Guidon.
Para a arqueóloga brasileira, o fato de astecas e incas terem suas civilizações tão exaltadas, ao contrário dos índios brasileiros, está ligado ao tipo de sociedade em que se vive hoje.
"Nós valorizamos muito as manifestações exteriores de poder. Astecas e incas deixaram de ser apenas caçadores e coletores e passaram para a agricultura, a criação de animais. Daí criaram uma sociedade de castas, em que havia senhores e escravos. No Brasil não houve essa passagem. Os povos viveram em sociedades igualitárias, em que todos precisavam trabalhar para sobreviver. Por isso não se submeteram à escravidão", explica Guidon.
A exposição reúne objetos em que se sobrepõem o valor estético e o valor de uso. São vasos, urnas funerárias, cerâmicas diversas, tangas e peças feitas em pedra e osso (como os zoólitos) que cumpriam funções, mas também eram feitas com impressionante esmero.
As pinturas rupestres, encontradas na serra da Capivara (PI) e no Seridó (RN), são o que as arqueólogas chamam de "marcadores de memória": cenas da vida cotidiana registradas como mensagens para o futuro.
"Todos se preocupavam em fazer uma transmissão de conhecimento para os que viriam", ressalta Pessis.


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