São Paulo, segunda-feira, 11 de outubro de 2004

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FOTOGRAFIA

Cris Bierrenbach sussurra propostas para uma nova arte

EDER CHIODETTO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Os anúncios de pessoas que procuram parceiros em sites de encontro serve de mote para o trabalho "Através do Vidro de Olhar", que a artista plástica Cris Bierrenbach exibe na galeria Base7, em São Paulo, até o próximo dia 15, dentro do programa "Sítio", no qual um artista por vez é convidado a ocupar o espaço.
A obra, um site specific (obra feita especialmente para um determinado lugar), se resume a uma imagem do rosto da própria artista plástica, gravada em vídeo, projetada na porta de vidro da galeria para que as pessoas que passam em frente ao local possam ver da calçada, de onde também é possível ouvir a artista narrando depoimentos retirados dos sites de encontro em que mulheres se apresentam e dizem o perfil que buscam.
"O coração é o motor do meu corpo/ não sou daquelas mulheres caçadoras/ bebo e fumo regularmente, me drogo ocasionalmente e adoro ser fotografada/ procuro alguém que seja companheiro, cavalheiro" são algumas das frases que saem das caixas de som enquanto o rosto da artista, comprimido contra um vidro, vai se deformando e oscilando entre expressões de medo e deboche, horror e súplica.

Auto-exposição
Descrever-se com o intuito de seduzir alguém é algo que implica trazer à luz a inconsistência da auto-imagem que cada pessoa tem de si. Canal aberto para fantasias de toda ordem e debates internos de alta voltagem, essa auto-exposição na internet é reveladora das inseguranças e apontam, muitas vezes, para um vazio afetivo e uma idealização da figura do outro, geralmente idealizado e intangível. "Sou sincera e carinhosa, mas há quem me julgue sombria e estranha... Procuro um homem de bem com a vida e romântico", diz uma das personagens virtuais da qual Bierrenbach se apropriou da frase.
Mas "Através do Vidro de Olhar" avança para além dessa questão dos sites de encontro e coloca em xeque, também, o próprio "site" da arte: a sala de exposição. Ao dar as costas para o cubo branco, o qual deveria abrigar suas obras, a artista opta por se expor na rua, ainda que nessa fuga ela seja interceptada pela porta da galeria e permaneça ali prensada, asfixiada, desesperada.
Se é verdade que a obra de arte só acontece de fato no espectador, é preciso também ir na direção de novos públicos, expor-se na calçada, chamar a atenção, mostrar a cara para quem passa e sussurrar propostas absurdas no seu ouvido. Boa questão para ser pensada num momento em que o acesso gratuito à Bienal Internacional de São Paulo está sendo taxado de populista por alguns críticos.
É certo que essa busca alucinada por um outro espelha, no fundo, o desencontro consigo próprio. Em "Através do Vidro de Olhar" a mesma busca é empreendida por artistas em busca de um público novo a ser seduzido pelas suas artimanhas estéticas. A arte contemporânea se extrapola para além do cubo branco não para negá-lo, mas para ampliar suas possibilidades.


Através do Vidro de Olhar
    

Artista: Cris Bierrenbach
Onde: Base7 (r. Cônego Eugênio Leite, 639, SP, tel. 0/xx/11/3088-4530)
Quando: em cartaz de segunda a sexta, das 10h às 18h; a mostra vai até o dia 15 de outubro
Quanto: entrada franca



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