São Paulo, quinta-feira, 11 de outubro de 2007

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Comida

Chef de Estado

O francês Alain Ducasse, um dos chefs de cozinha mais renomados do mundo, vem ao Rio e fala sobre o sucesso da gastronomia

JOSIMAR MELO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Ele chega ao Rio de Janeiro e por onde passa está cercado por seu estafe. Na sala onde dá entrevistas, com seguranças na porta, só entram jornalistas credenciados. As perguntas deveriam ser previamente enviadas por escrito para aprovação na França. Cada repórter tem direito a apenas 15 minutos de conversa, ante o olhar vigilante de três assessores (fora o intérprete) -um dos quais anota tudo o que é perguntado e respondido. Fotos, somente da fotógrafa oficial, e liberadas apenas no dia seguinte -depois de enviadas e devidamente aprovadas na madrugada de Paris.
Não, não se trata de um astro do cinema nem de um popstar da música. E, embora ao jantar em sua homenagem tenham comparecido o governador do Estado com a primeira-dama, tampouco é uma autoridade política que visita o país. Ele é Alain Ducasse, apenas um chef de cozinha -embora se movimente mais como um chefe de Estado. Ou como um "tycoon" desta crescente indústria, a da gastronomia, que é algo diferente da indústria de alimentos (dominada por multinacionais de ingredientes ou produtos prontos): aqui se movimenta milhões com comida sofisticada.
Coisa que Ducasse, aos 51 anos, como alguns de seus contemporâneos (mas nenhum tão bem como ele), tem feito de forma diferente de seus antecessores: enquanto chefs como Paul Bocuse, 81, enriqueceram colocando o prestígio de seus restaurantes três-estrelas em congelados, fogões e panelas, o novo rei fatura sobretudo servindo qualidade em seus restaurantes.
E dá-lhe restaurante. São mais de 20, e de todo tipo -dos templos gastronômicos (como o Le Louis 15 de Montecarlo e o Alain Ducasse do hotel Plaza Athenée de Paris, de alta cozinha francesa feita com técnica impecável), até uma padaria em Paris, passando por cozinha fusion (o Spoon, mundo afora) e tradicionais bistrôs que ele passou a comprar.
Em paralelo, Ducasse -que no início da carreira foi o único sobrevivente da queda de um avião, e a partir daí decolou sem parar mais- dirige uma editora e uma escola de cozinha, a Alain Ducasse Formation, que tem convênio com a escola de gastronomia da Universidade Estácio de Sá, no Rio. Foi a escola que organizou sua visita nesta semana ao Brasil (na qual ele não cozinhou, sendo apenas homenageado pela universidade). Na terça, ele falou à Folha (que não mandou previamente as perguntas e conversou com ele mais do que 15 minutos -afinal, aqui é Brasil, e o assunto é gastronomia, não finanças). Leia a seguir algumas de suas opiniões.

 

O QUE FALTA FAZER Os próximos passos devem ser ligados à saúde, como nosso spa na Toscana: um "spa gourmand", onde após fazer ginástica, esporte, estar supercansado, o cliente ganha um bolo de chocolate. No dia seguinte, tudo de novo...

POR QUE COMPRAR BISTRÔS É nosso papel continuar a história. É a nossa memória. O bouchon [bistrô típico de Lyon] Aux Lyonnais é de 1890; o Benoit, de 1912; o Rex, bistrô de frutos do mar que acabamos de comprar, de 1925. É importante que em 2050 ainda exista o Benoit.

A GLOBALIZAÇÃO DO GOSTO A diversidade é a coisa mais preciosa da gastronomia. Hoje para os países o importante é preservar as diferenças, as identidades, não a mundialização.

A VIABILIDADE DA ALTA GASTRONOMIA A alta gastronomia é um pouco como os ateliês de alta-costura. Para a indústria dos restaurantes é necessário ter o luxo da alta gastronomia (como a alta costura para a moda), preservar a excelência dos grandes chefs em seus restaurantes excepcionais. Eles têm um preço elevado, é verdade, mas, se hoje a mídia está interessada na gastronomia, é certamente porque existe a alta gastronomia.

SOBRE A MIGRAÇÃO DOS RESTAURANTES TRÊS-ESTRELAS PARA OS GRANDES HOTÉIS É o que torna possível ter boas localizações. Vamos abrir agora no Dorchester de Londres; se fôssemos pagar o ponto, teríamos que cobrar mil libras por jantar. O mesmo vale para a avenue Montaigne em Paris [onde está o Plaza-Athenée], para a praça do Cassino [onde fica seu restaurante dentro do hotel de Paris, em Montecarlo], para o bairro de Ginza [onde fica seu restaurante gastronômico em Tóquio].

O QUE MUDOU NA GASTRONOMIA DESDE SEU PRIMEIRO TRÊS-ESTRELAS O que mudou foi a competição; hoje até os ingleses, os alemães fazem boa cozinha. Não há mais fronteira de país, de cultura, de religião, todo mundo pode ter acesso.

SOBRE A COZINHA MOLECULAR É um pequeno movimento. Uma evolução de uma sensibilidade culinária através da evolução técnica. É um novo aporte, que soma na diversidade. Não é o caso de todo mundo fazer cozinha molecular, como não é o caso de todo mundo fazer bistrô.


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