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CRÍTICA
"Gueto" se perde na catequese da Record
XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL
Um seriado com protagonistas negros e vivido nos arrabaldes já cumpre, de cara, a função de cota televisiva em uma dramaturgia ainda sustentada pelo
chicote e pela marcação de cena
aos moldes da Casa-Grande.
Louve-se a "Turma do Gueto"
-que estreou na segunda-feira
passada e tem seu segundo episódio hoje na Record- que chega,
na poeira de "Cidade dos Homens" (Globo), para deslocar a
geografia e a classe do drama.
Noves fora a obrigatória louvação, o episódio de abertura derrapou em um moralismo evangélico -o velho e imortal "o meio é a
mensagem"- digno dos sermões
nada brechtianos dos donos da
emissora. Ao optar pela catequese, o seriado perde sua graça.
Netinho, cantor e apresentador
da casa, faz um professor politicamente correto que volta a uma escola da periferia de São Paulo depois de uma década fora. Estranha a degradação do lugar, mas
começa a agir. Ao flagrar alunos
com um baseado, no banheiro,
pega o cigarro e atira-o no vaso.
Generoso e montado em clichês
batidos -"violência gera violência"- o protagonista deve se firmar, ao longo do seriado, como
um duplo de pastor e voluntário
da Pátria, com ações que imitam
tanto a catequese quanto as casas
de caridade. Na série, o mal é o
que sai da boca do homem. A decadência da escola ou da segurança são obras do sobrenatural, pragas bíblicas. A maconha e a cachaça -"seu bêbado!", eis a frase recorrente e desmoralizante- os
grandes perigos da área.
Não há poder público, está tudo
dominado pela maldade humana.
O discurso do hip hop, presente
dos grafites da abertura à dicção
dos alunos -o elenco tem Afro
X, o melhor ator da turma- não
é o mesmo do país de Mano
Brown e Rappin Hood (que aparece no episódio de hoje). Pelé faz
uma ponta no quinto episódio.
Os jovens netos de JK, que herdaram só as ruínas da promessa
bossa nova de desenvolvimento,
vivem, no seriado, uma periferia
pentecostal. O mote, louvado na
estréia, diz tudo: "O senhor é o
meu pastor e nada me faltará".
Turma do Gueto
Quando: hoje às 22h30, na Record
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