São Paulo, segunda-feira, 11 de novembro de 2002

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CRÍTICA

"Gueto" se perde na catequese da Record

XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Um seriado com protagonistas negros e vivido nos arrabaldes já cumpre, de cara, a função de cota televisiva em uma dramaturgia ainda sustentada pelo chicote e pela marcação de cena aos moldes da Casa-Grande.
Louve-se a "Turma do Gueto" -que estreou na segunda-feira passada e tem seu segundo episódio hoje na Record- que chega, na poeira de "Cidade dos Homens" (Globo), para deslocar a geografia e a classe do drama.
Noves fora a obrigatória louvação, o episódio de abertura derrapou em um moralismo evangélico -o velho e imortal "o meio é a mensagem"- digno dos sermões nada brechtianos dos donos da emissora. Ao optar pela catequese, o seriado perde sua graça.
Netinho, cantor e apresentador da casa, faz um professor politicamente correto que volta a uma escola da periferia de São Paulo depois de uma década fora. Estranha a degradação do lugar, mas começa a agir. Ao flagrar alunos com um baseado, no banheiro, pega o cigarro e atira-o no vaso.
Generoso e montado em clichês batidos -"violência gera violência"- o protagonista deve se firmar, ao longo do seriado, como um duplo de pastor e voluntário da Pátria, com ações que imitam tanto a catequese quanto as casas de caridade. Na série, o mal é o que sai da boca do homem. A decadência da escola ou da segurança são obras do sobrenatural, pragas bíblicas. A maconha e a cachaça -"seu bêbado!", eis a frase recorrente e desmoralizante- os grandes perigos da área.
Não há poder público, está tudo dominado pela maldade humana. O discurso do hip hop, presente dos grafites da abertura à dicção dos alunos -o elenco tem Afro X, o melhor ator da turma- não é o mesmo do país de Mano Brown e Rappin Hood (que aparece no episódio de hoje). Pelé faz uma ponta no quinto episódio.
Os jovens netos de JK, que herdaram só as ruínas da promessa bossa nova de desenvolvimento, vivem, no seriado, uma periferia pentecostal. O mote, louvado na estréia, diz tudo: "O senhor é o meu pastor e nada me faltará".


Turma do Gueto
  
Quando: hoje às 22h30, na Record



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