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"MARCAS DA VIOLÊNCIA"
Olhar de Cronenberg evita julgamento
CRÍTICO DA FOLHA
Se não fosse pela precisão, de
início não pareceria um filme
de David Cronenberg. Aqueles
sujeitos sinistros, à frente de um
motel, o aspecto interiorano, a
maneira de um deles dizer que
"vai acertar a conta" -tudo parece um apanhado de lugares-comuns. Uma impressão que se reforça quando vemos o que significava, para ele, "acertar a conta".
Cronenberg começa com uma
tocada de Tarantino. Mas sem cinismo. E ninguém pensará em cinismo quando a pequena Sarah
Stall solta, no meio da noite, seu
grito lancinante. No pesadelo, um
monstro aparece.
Agora estamos na família Stall.
Stall? Soa como Stahl, o grande
mestre dos melodramas. E temos
lá, justamente, um desses pontos
fortes do melodrama: a descrição
da vida nas pequenas cidades. Interior de Indiana. Um buraco pertinho do Canadá, país do cineasta.
Tom Stall é um prosaico dono
de lanchonete. Entretém seus
clientes com estudada gentileza.
Presume-se que tem de negociar,
às vezes, com bêbados. Não demora muito, os criminosos do início aparecem na cidade. Estão
sem dinheiro e vão roubar o restaurante. Decisão equivocada, já
que Tom reage com agilidade aos
criminosos e acaba com ambos.
Temos, então, toda a história
contada e um herói local desses
que a mídia aprecia: um homem
comum que enfrenta e derrota as
forças do mal. Mas até aí foram
uns 15 minutos de filme. E o resto?
Bem, estamos no planeta Cronenberg: agora é que a coisa começa.
O que deveria ser o retorno à
paz transforma-se num inferno
familiar. Um carro negro aparece.
Nele, um homem sem um olho e
seus capangas. Esse homem chama Tom de Joey. E a paz chega ao
fim sem que se dê um tiro.
Pois quem é Tom? Tom ou Joey?
Uma espécie de Dr. Jekyll e Mr.
Hyde? Um homem com um outro
dentro de si? O que é a identidade,
enfim, se é que existe?
Bem, lá está Edie, a mulher de
Tom, que agora desconfia, se ressente e até odeia o marido (mas
que fabulosa transa, aquela cheia
de ódio e paixão que eles têm na
escada. Tarantino não tem dessas
coisas). E o filho exemplar, Jack,
que de repente mostra outra face.
Em poucos minutos, tudo se
transforma. E daí para o fim se
transformará muito mais. Não é
um olhar muito complacente o
que Cronenberg lança em direção
aos EUA. Ele é um penetra no Paraíso, quase sempre se recusou a
ser produzido por Hollywood.
Mas é um olhar diferente do de
Lars von Trier, por exemplo. Cronenberg não julga o caráter nem a
cultura americanos. Antes, parece
ver ali um povo saído das histórias em quadrinhos, mais próximo de Stan Lee e do almanaque
Marvel que de um Edgar Allan
Poe. Mas não se importa muito
com isso: dirige seu filme com a
alegria descuidada das HQs, pouquíssimo preocupado de prestar
contas a quem quer que seja. Cronenberg trabalha desta vez com
uma alegria que lembra seus primeiros filmes. Faz um cinema que
já não existe mais para um público que, talvez, também já não
exista mais.
(IA)
Marcas da Violência
A History of Violence
Direção: David Cronenberg
Produção: EUA, 2005
Com: Viggo Mortensen, Maria Bello
Quando: a partir de hoje nos cines
Bristol, Central Plaza, Paulista e circuito
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