São Paulo, domingo, 11 de novembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Livro acompanha os intensos 55 anos de Tim Maia

"Sua grande característica é o excesso, inclusive de talento. Mas também de drogas, sexo, polícia, tudo", diz o biógrafo Nelson Motta

Obra recorda a fase mística, de adesão à seita Universo em Desencanto, único período em que deixou a maconha de lado

Derly Marques/Folha Imagem
O cantor e compositor Tim Maia, durante show em 1982


LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

"O que eu quero é sossego!", cantava Tim Maia. Após ler "Vale Tudo - O Som e a Fúria de Tim Maia", fica difícil associar sua vida a esse objeto do desejo. A biografia escrita por Nelson Motta, a partir de terça-feira nas livrarias, mostra que, se fosse um personagem fictício, Sebastião Rodrigues Maia ficaria no improvável cruzamento da literatura beatnik com o realismo fantástico. Mas ele existiu durante 55 intensos anos -de setembro de 1942 a março de 1998.
"Não existe o Tim Maia ir ao supermercado, comprar uma coisa e ir embora. Ele criou um caso com alguém, veio uma senhora, deu um beijo nela... Alguma coisa rolou. A grande característica do Tim é o excesso, inclusive de talento. Mas também de drogas, sexo, polícia, tudo", diz o autor e colunista da Folha, falando do amigo no tempo presente. "Ainda estou contagiado pelo humor dele", diz o autor.
Motta, 63, sonhava fazer o livro há sete anos. Mas conflitos internos na família do cantor o desestimularam em 2000. Ele, então, escreveu "Noites Tropicais" -em que há histórias de Tim- e depois mais quatro livros, sendo três de ficção. Neste ano, com as entrevistas feitas e o forte auxílio da pesquisa de Denilson Monteiro, produziu as quase 400 páginas.
"O Tim completo daria umas 800. Mas ficaria enorme, seria um excesso contra ele", afirma Motta, que resumiu a infância a fotos, relatou em só uma página a morte ocorrida sete dias após passar mal num show, e fez uma seleção das inúmeras e incríveis histórias protagonizadas por Tim.

Triatlon
O livro é um enfileirar de causos, desde as primeiras experiências musicais na Tijuca (zona norte do Rio) com, entre outros, Roberto e Erasmo Carlos, até a viagem de limusine realizada em 1997 pelas cidades dos Estados Unidos em que, entre 1959 e 1964, comera (ou nem isso) o pão que o diabo amassou -até ser preso pela quinta vez e deportado.
"Essa viagem de volta parece roteiro de um filme. Se fosse encomendado, não seria melhor", vibra Motta.
Foi nos EUA, aos 18 anos, que o cantor fumou maconha pela primeira vez. Nunca mais, com exceção da "fase Racional", a tirou de sua dieta. A partir dos anos 70, acrescentou uísque e cocaína. Era o "triatlon", como chamava a mistura. Tudo em doses cavalares.
"Acho que o livro deixa clara a devastação que o álcool e a cocaína provocaram no trabalho dele, na saúde, nos relacionamentos. Quem lê não vai querer saber de cheirar pó e de beber", acredita o autor.
Ao contrário de muitas biografias de artistas envolvidos com drogas, "Vale Tudo" não tem um tom deprimente predominando. Possivelmente, diz Motta, por causa do humor exagerado e inteligente de Tim.
Algumas frases suas que estão no livro são primorosas: "Fiz uma dieta rigorosa, cortei álcool, gorduras e açúcar. Em duas semanas perdi 14 dias"; "Dos artistas do Rio, metade é preto que acha que é intelectual e metade é intelectual que acha que é preto". E a mais famosa: "Não fumo, não cheiro e não bebo, mas às vezes minto um pouquinho."
Sem falar na fobia de garçons carecas; no dia em que pediu dinheiro a dois guardas (e recebeu); em quando cantou para prostitutas e travestis na porta de uma delegacia de Copacabana; no fato de que sempre dirigiu sem carteira de motorista e só foi tirar título de eleitor aos 54 anos etc. Histórias de medo de avião e de ausências (e presenças) em shows também são fartas.

Pré-sucesso
Mas o livro não se resume a um detalhamento do folclore em torno do cantor. O acompanhamento da carreira é feito ano a ano, passando pelo estouro de "Primavera" (Cassiano) em 1969, dos vários sucessos obtidos nos anos 70 e 80, dos dois discos gravados durante a integração fervorosa à seita Universo em Desencanto, do repertório repetitivo entre as décadas de 80 e 90 e, no fim da vida, da realização do sonho de adolescente de gravar músicas da bossa nova.
Para muitos leitores, a novidade estará em descobrir como foi a vida pré-sucesso de Tim, com muitas ambições e frustrações. Nem seu filho Carmelo Maia, 32, sabia detalhes do período relatado.
"Eu tive imensa dificuldade de passar da página 50, porque parei naquela fase triste. Ele sofreu discriminação racial, não arrumava namorada, morou em hotéis piolhentos nos EUA, mentia tanto que acreditou na própria mentira. Sou emotivo e chorei muito", conta.


VALE TUDO - O SOM E A FÚRIA DE TIM MAIA
Autor:
Nelson Motta
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 49,90 (392 págs.)


Texto Anterior: Horário nobre na TV aberta
Próximo Texto: Filho do cantor é "cliente do ano do fórum"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.