São Paulo, domingo, 11 de novembro de 2007

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Crítica/"Madre Joanna dos Anjos"

Desejo é o centro de obra-prima polonesa

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

É a arquitetura o que impressiona primeiro em "Madre Joanna dos Anjos". A disposição do convento, numa colina solitária. O branco de suas paredes, contrastando com o negro dos espaços que se anunciam por trás dos arcos pronunciados. A amplitude das salas, onde o vazio se manifesta como uma evidência.
Em seguida vêm as relações. O contraste entre o negro e o branco é o mais marcante: o negro do traje do padre, o branco das freiras, por exemplo.
Seria possível falar, ainda, da taberna e dos estranhos habitantes do local, mas o essencial é que neste filme estamos diante de um caso de possessão diabólica da superiora de um convento, madre Joanna justamente. E o filme retoma um caso histórico, ocorrido no século 17 (e mais tarde filmado também por Ken Russell, de forma menos impressionante, em "Os Demônios", de 1971).
Sabemos que o padre Joserf, enviado para salvá-la com seus exorcismos não é o primeiro. Trata-se de um teólogo que vive a castigar a carne com um chicote, mas um homem com pouca experiência do mundo.
E homens com pouca experiência do mundo tendem a sofrer um pouco nas mãos do diabo. No caso de madre Joanna, há não menos do que oito demônios a ocupar seu corpo. A luta será difícil. Por um lado, trata-se de saber como agem os demônios. Por outro, o que são eles.
Finalmente, a questão mais angustiante que se coloca ao exorcista vem do fato de que madre Joanna simplesmente não deseja que o diabo a abandone. O desejo é, de resto -e já se pode presumir desde as primeiras imagens-, o centro de tudo.
É ele que parece estar na base da luta entre Deus e o Diabo, a que correspondem as tensões de espaço com as quais o diretor Jerzy Kawalerowicz joga tão habilmente e que potencializam o drama da pureza e da perversão que cada personagem carrega dentro de si.
Porque estamos, não convém esquecer, na Polônia -um país onde o catolicismo é não só radical como, não raro, intolerante (e Kawalerowicz não deixa de notá-lo, ao introduzir a figura de um rabino, representado, não por acaso, pelo mesmo ator que faz o padre).
A fama de Andrzej Wajda de certa forma ofuscou a de Jerzy Kawalerowicz no grande momento do cinema polonês, entre os anos 50 e 60 do século passado. Isso torna ainda mais oportuna a revisão desta sua obra-prima, que ganhou o prêmio especial do júri em Cannes, 1961, num tempo em que um prêmio desse queria dizer muita coisa.


MADRE JOANNA DOS ANJOS
Distribuidora:
Lume
Quanto: R$ 37,50, em média
Avaliação: ótimo


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